Consta ser inevitável
que este espaço se ocupe a traçar
uma autobiografia do autor. Sejamos breves, pois,
os diletos leitores não têm tempo
a perder. Cabe-me, assim, a constrangedora tarefa
de escrever na primeira pessoa.
Nasci no Cambuci (São
Paulo/SP) em 4 de dezembro de 1950. Meus limites
geográficos e existenciais até os
16 anos não ultrapassavam o Parque da Aclimação,
a várzea do Glicério e os “sete
campos”, no final da rua Independência.
O futebol, desde então, era paixão
e vida.
Depois veio a mudança
para o Ipiranga e, na seqüência, também
vieram o encantamento pela música popular,
o turbilhão dos anos 70 e a Escola de Comunicações
e Artes da Universidade de São Paulo, onde
cursei Jornalismo num tempo onde as invasões
dos homens do DOI/CODI e a prisão de estudantes
eram mais freqüentes que as horas de aulas
propriamente ditas. Desse período, dois
momentos são inesquecíveis: o show
Milagre dos Peixes, de Milton Nascimento, no campus
da Cidade Universitária e o legado das
breves aulas de Jornalismo Televisivo, com o jornalista
Wladimir Herzog: “O jornalista não
deve temer chegar ao fundo do poço na busca
dos fatos, da verdade. É preciso encarar
todos os sacrifícios que esta verdade impõe.
Não é muito fácil. Mas, se
não for assim, é melhor procurar
outra profissão...”
A voz convicta do professor
não deixava transparecer qualquer rancor.
Falou naturalmente ao exigir mais seriedade. Um
grupo de alunos ameaçara reclamar. Todos
estavam convocados a trocar um provável
fim-de-semana ensolarado pela presença
obrigatória na elaboração
de um noticiário sobre os problemas de
transporte na cidade universitária. Não
havia formalismo, nem pose de dono-da-verdade.
Apenas, deixava bem nítida sua profissão
de fé.
Herzog morreu, algumas semanas
depois (outubro/75), assassinado nas dependências
do quartel da rua Tutóia. A História
do Brasil não foi a mesma a partir daí.
E ainda que modestamente posso dizer que minha
história também. No melhor do estilo
Forrest Gump comecei a correr sem saber direito
para onde, nem para quê...Uma idéia
na cabeça (construir o Brasil de todos
os brasileiros) e um sonho nas mãos. A
canção dava o mote: “gente
é pra brilhar; não pra morrer de
fome”.
Deixei a USP sem lembranças,
nem remorsos. A colação de grau
na secretaria da ECA foi a exata tradução
de como entendíamos o curso; sem traumas,
nem festas. Depois de uma rápida passagem
pelo Diário da Noite, fui parar na Redação
da Gazeta do Ipiranga, onde aportei em março
de 74 e saí em novembro de 2002.
Comecei como “redator-estagiário”
e, quatro anos depois, passei a editor e diretor-responsável.
Simultaneamente colaborei em diversas publicações
de âmbito nacional (Agência Estado,
Jornal da Tarde, revista Afinal, Shopping News,
Gazeta FM, e outros), principalmente na editoria
de Cultura. Cheguei até mesmo a montar
um jornal de bairro na Mooca. No entanto, foi
mesmo pelas plagas históricas do Ipiranga
que fundeei sonhos, expectativas, trabalho, amizades,
aprendizagem, amores e a esperança em dias
melhores, repito, para todos os brasileiros.
“Que o povo saia às
ruas... E tome para si o destino da Nação”
– escrevi no editorial do jornal (homenagem
ao jornalista Antônio de Oliveira Marques)
na edição imediatamente anterior
ao 15 de novembro de 1989, quando voltávamos
a escolher o presidente da República pelo
voto direto e universal, após 30 anos de
abstenção. Democracia se faz com
cidadania e solidariedade.
Foi a lição maior
que aprendi e que ainda hoje procuro vivenciar.
O aprender e ensinar da vida
me trouxe para a Metodista em 98. Tive antes uma
breve passagem pela Universidade São Marcos
– onde fui um pouco assessor de Imprensa
e outro tanto professor de História Contemporânea.
No entanto, foi a UMESP quem me deu régua
e compasso para enfrentar o novo desafio e traçar
um novo projeto de vida.
Entendi que era hora de passar
o bastão para os que estão chegando,
com o alforje repleto de esperanças e possibilidades.
E minha melhor contribuição é
procurar orientá-los e incentivá-los
a corresponder às próprias expectativas,
através da aquisição de novos
conhecimentos, senso crítico e espírito
de fraternidade.
Aprendi, certa ocasião,
que mago não é quem quer; e, sim,
todos aqueles que se dão ao trabalho. Nessa
toada, o mestrado em Comunicação
Social foi conseqüência natural desse
novo momento. O tema, a revitalização
do Museu do Ipiranga, também não
escapou à minha, digamos, luta em prol
da organização social e da valorização
da cidadania.
Com efeito, 1999 foi um ano
atípico. Para quem vivia 14 horas por dia
dentro de uma Redação, foi mesmo
um período de muito aprendizado e descobertas
na área acadêmica e profissional.
Destaco minha participação em dois
seminários – “Jornais de Bairro.
A Outra Grande Imprensa”, promovido pelo
Centro de Comunicações e Artes do
Senac, e o Encontro de Jornalismo da Metodista
– , a colaboração e coordenação
do Mídia Fórum On Line e a seqüência
do meu trabalho a frente de Gazeta do Ipiranga
(semanário de 60 mil exemplares na Capital
paulistana), onde semanalmente assinei por 24
anos a coluna “Caro Leitor”.
Às vezes, faltou tempo
– é bem verdade – para coordenar
as três frentes de ‘batalha’(a
graduação, o mestrado e a Redação
de GI). Nada, porém, que não me
fizesse mais próximo da admiração
pelo possível e inusitado que, de alguma
forma, Carl Sagan sagrou como essencial para a
pesquisa em seu livro O Mundo Assombrado Pelos
Demônios: “O cientista não
deixa o razoável em paz”.
Por falar em paz, acredito que
só a teremos quando se manifestar plenamente
e atingir a todos os cidadãos. A Educação
é mola mestra para essa conquista. Assim,
como é sempre bom lembrar a importância
do momento histórico em que vivemos. Nossa
tênue democracia depende – e muito
– da participação de todos.
Não pode haver vacilo, nem retrocesso.
Só assim serão possíveis
novas e legítimas conquistas. Só
assim, com a participação de todos,
repito enfim, será possível transformar
em realidade o sonho de um Brasil para todos os
brasileiros.
Rodolfo Carlos Martino
é mestre em comunicação Social
na Universidade Metodista de São Paulo.
Leciona na Universidade Metodista e ministra o
curso de Jornal de Bairro e Regional no Sindicato
dos Jornalistas. Foi diretor de Redação
de Gazeta do Ipiranga por 28 anos. |