A recepcionista terminava de preencher o formulário – então, fez a pergunta de praxe.
-- Número do celular?
Silêncio.
Segundos depois, a resposta e o comentário.
-- Tenho não, moça. Sou pobre.
O homem do corredor ouviu a resposta. Andava de um lado para outro, tinha o semblante fechado e crispava os dentes sempre que consultar o visor do celular.
Interpretou a humildade do rapaz à sua maneira.
Não conseguiu segurar a reflexão que interrompeu a entrevista.
-- Você que é feliz, meu caro.
E teve ganas de atirar o pequeno aparelho pela janela do 20º. Andar.
II.
A senhora de 82 anos abriu a porta para o filho que a visita todos os dias antes de ir para o trabalho. Dividem o café da manhã e alguma conversa. Neste dia, era a própria analista política.
-- Anunciam com tanto alarde que vão adiantar o pagamento do 13º. para os aposentados. Que é uma mixaria. Agora, tentam esconder, como podem, o dia em que aumentam o próprio salário. Querem que ninguém saiba da gastança...
Quem sou eu para contrariar a dona Yolanda, minha mãe.
III.
De um texto que escrevi sei lá quando, menos ainda sei o porquê lembrei agora:
“Quase sempre, evocar o passado é construir o futuro”.
Me invoquei com esse “quase”...
Desnecessário.
“Evocar o passado é construir o futuro”.
IV.
-- Pois fique.
Ela falou sem medir o quê acabara de dizer. Conhecera a pouco o tal paulistano que estava há três ou quatro dias em Salvador. A trabalho, ele lhe disse.
Disse mais.
Iria embora no dia seguinte, por isso arriscou dar umas voltas pela orla baiana naquela noite. Entraram-se ao acaso num desses quiosques de praia.
Agora, conversavam sobre o lá e o aqui.
Na verdade, na verdade, só ele falava – e como falava...
Estava entusiasmado.
Só se entristeceu quando lembrou que partiria...
-- Pois fique.
Ela disse sem pensar. Só se deu conta da frase quando os olhos dele a fitaram demorada e sonhadoramente.
Tanto tempo depois, um sequer lembra o rosto do outro.
Mas, vá entender as razões das coisas invisíveis. Sempre que anda pela praia, não é raro a moça olhar para o quiosque e resgatar aquele momento. Arrisca até um palpiter:
-- Seria divertido.
Em meio as atribulações da metrópole e os desvarios dos amores perdidos, ainda hoje ele se pergunta:
-- O que teria acontecido se eu tivesse ficado... |