-- Alô...
-- Rodolfão?
-- Fala Renatinho...
-- Então, a vó Doroti deixou eu ligar pra você.
-- Bom quando um sobrinho
de seis anos lembra da gente.
-- Então...
-- Diga, rapaz...
-- Você gosta de futebol, né?
-- Gosto, claro.
-- Eu também.
-- Que legal, rapaz...
-- Você tem muitas camisas de time?
-- Tenho algumas...
-- Tem do Palmeiras?
-- Muitas. Mas tem de times italianos...
-- Tem da seleção?
-- Uma azul, algumas amarelas...
-- São oficiais?
-- Ta me estranhando, menino.
-- Por que, tio?
-- Acha que ia comprar camisa ‘pirata’.
-- Pirata? Como assim?
-- Nada, nada.
-- São iguais a dos jogadores, né.
-- São sim, por quê?
-- Você vende?
-- Nunca pensei nisso.
-- Ué, devia pensar.
-- Não entendi?
-- Pra que guardar as camisas, então?
-- É... Sei lá. Pode ser uma boa.
-- Quanto você cobraria por uma do Brasil?
-- Do Brasil? Uns 100 reais.
-- É a nova?
-- Da Copa de 2006, número 10.
-- Ronaldinho?
-- Isso mesmo.
-- Vale uns 50.
-- (Riso) Você está pechinchando?
-- O que é isso?
-- Pechinchar é... Deixa pra lá...
-- Tem a nova do Palmeiras?
-- A verde limão, brilhante?
-- É.
-- Tenho...
-- Custa caro, né...
-- Paguei 139.
-- É a 10 do Valdívia?
-- Não. Não tem número.
-- Então, custa menos...
-- Como assim? Você andou pesquisando preço?
-- Eu sei, né...
-- Você é muito espertinho para sua idade.
-- Não zoa eu, Rodolfão...
-- Imagine...
-- Você tem muita camisa, né?
-- Ja disse que sim. Uma mala cheia...
-- Legal, né...
-- Acho que é. Sei lá...
-- E nunca tinha pensado em vender, né?
-- Nunca.
-- Mas, comprar você compra sempre.
-- É. Não resisto...
-- Que pena. Minha vó está falando para eu desligar.
-- É tarde. Você devia estar dormindo.
-- Eu sei. Mas eu queria tanto falar com você...
-- Puxa, assim eu fico até emocionado.
-- Então, preciso desligar.
-- Valeu, Renatinho. Gostei mesmo, viu...
-- Só mais uma coisa, tio.
-- Diga, diga...
-- Compra uma camisa dessas pra mim?
Mas, tem que ser a 10, do Valdívia...
* A partir da crônica "Negócio de menino", de Rubem Braga. No livro "A Traição das Elegantes".
[Texto publicado no livro “Volteios - Crônicas, lembranças e devaneios”] |