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A Cor da Vida (9)

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Foto: Leila Kiyomura

9 – ANDRESSA

Foi só eu ficar sozinho – e não sei o porquê danei em pensar na menina loura chamada Andressa que estuda comigo.

Acho que foi o que disse o Enzo,  aquele “mulheres, mulheres”.

Não, não vou dizer nada para o Enzo sobre a Andressa.

Ele é escritor e já vai pensar em romance de novela. Já imaginou a nossa história na novela da TV?

Na TV, não. Que ele escreve livro, minha mãe falou.

Também, vamos ser sincero, eu não saberia o que lhe dizer.

Acho mesmo que ele não teria o que escrever.

Mas, é assim.

(Tudo isso foi antes da pandemia, tá, gente?)

*

A primeira vez que eu a vi foi na van que leva a gente para escola, logo no primeiro dia de aula.

Ela sentou ao meu lado, e eu gostei.

Normalmente gosto que meus amigos Raul ou o Rodrigo fiquem por perto. Assim a gente conversa sobre futebol. No Brasil, já disse, sou fã do Flamengo que é vermelho também, e eles sempre foram flamenguistas, ‘desde os tempos do Zico’, como diz o Raul que é exagerado.

Foi o Radamés que me falou que, quando o Zico era camisa 10 do Flamengo, os pais do Raul nem namorar namoravam.

Radamés é cruzeirense por causa do Sorín, e eu não me atrevo a perguntar qual o time que ele torce na Argentina para não aloprar de vez.

Radamés é surfista, já disse. Mas é meio invocado. Não gosta de mentira.

Ficou na bronca com o Raul:

– Esse menino deve ter ouvido o pai dele falar do time campeão do mundo do Flamengo em 1981, mas ele não viu o Zico jogar, não.

*

Está bem, respondi educadamente. Assunto encerrado.

Não entendo nada de adultos. Não entendia antes da pandemia. Desconfio que vou entender menos ainda depois que ela passar.

É o que todo mundo diz:

“Vai passar.”

O Sr. Ambrósio, mesmo atarantado com as contas da pousada, faz uma piadinha que todos riem – e eu, não; porque não entendo.

É assim:

“Assim como o bonde e a uva passa, a pandemia também vai passar.”

Sem graça, não?

De qualquer forma, acho bom que passe mesmo – pois, já está cansando ficar aqui. Perdi a noção dos dias. Nunca sei se é domingo ou segunda ou terça-feira ou…

Além do que, não tem mais jogos de futebol na TV. Todos cancelados.

*

Bem, melhor voltar a falar da Andressa.

Ela sentou perto de mim, no trajeto rumo à escola, e a impressão que eu tive é que a van começou a voar, lenta e suavemente, como uma borboleta amarela.

Não era a mesma impressão que o motorista tinha. Ele reclamava que era um absurdo um trânsito daqueles em Belo Horizonte, onde moro, mas eu nem percebi nada.

Sentia-me feliz.

Sempre achei aquela van escolar feia com uma cor estranha, mais para o abóbora, o laranja, sei lá. Mas, agora, parecia que eu estava dentro de uma nave espacial dourada. Sentia-me contentão e queria mais que o trajeto demorasse mesmo.

Quando chegamos à escola, outra surpresa. A professora disse que ganharíamos uma coleguinha que viera do Rio de Janeiro para morar em Belo Horizonte.

– Entre Andressa, seja bem-vinda!

*
Foi assim que eu soube o nome dela que veio sentar-se na carteira em frente à minha. Penso que é isso que as pessoas chamam de felicidade. Senti que alguma coisa dentro de mim dava pulinhos apressados.

Acho que era o meu coração.

Desde então, é sempre a mesma coisa quando ela entra no veículo escolar, na sala de aula ou mesmo no recreio. Mesmo quando formam as turmas. Meninos, de um lado; meninas, de outro – eu não a perco de vista. Quase sempre ela também está me olhando. Mas, quando olho, ela abaixa os olhos. E eu também.

Qualquer dia, quando essa pandemia acabar, eu chegarei bem perto dela. E, quando ninguém estiver vendo, vou dizer:

“Mulheres, mulheres…”

Mas, antes, eu preciso saber qual a cor do vestido que ela mais gosta.

Continua amanhã…

 

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