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A dengue e o dengo da reeleição

01. Na ensolarada tarde de 12 de março de 1996, o responsável pela Vigilância Epidemiológica da nossa região, doutor Katsumi Osiro, esteve na redação de Gazeta do Ipiranga para fazer um alerta. O Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue, estava de volta. Sua presença fora detectada inclusive em algumas regiões do Ipiranga. Insetos adultos e larvas foram encontrados no Moinho Velho e arredores do Jardim da Saúde. O fato — explicou o médico, na ocasião — não significa que estamos diante de uma epidemia da doença, mesmo porque, para infectar alguém, o mosquito precisa ter o vírus. "Nossa grande preocupação é que esses focos não se propaguem para que não haja riscos futuros", ressaltou. Dr. Osiro queria contar, nessa luta, com o apoio da população. Para tanto, naquela mesma semana, em sua primeira página, Gazeta do Ipiranga publicava o alerta do médico e todo o receituário para identificação do inseto e como evitar que ele se reproduzisse. Nas edições seguintes e por todo o ano, esses cuidados foram republicados nas páginas de GI. Em contato com a Vigilância, nossos repórteres eram informados que a situação permanecia sob controle. Houve inclusive, em abril, uma blitz do Exército em Heliópolis para localização de novos focos e orientação da população local.

02. Os cuidados do Doutor Osiro e da nossa comunidade, ao que parece, não foram levados a sério em âmbito nacional. O jornal Folha de S.Paulo trouxe como manchete no sábado, dia 1º, o alerta da tragédia iminente: "Dengue avança e atinge 14 Estados". O teor da notícia dá conta que 14 Estados brasileiros estão sob ameaça de epidemia da doença — inclusive na forma hemorrágica, variação mais grave do que a dengue clássica que exige internação hospitalar e pode matar.

03. Curioso este Brasil que literalmente parou para ver a reeleição passar. Este Brasil dos governantes e políticos que posam de donos da modernidade e anunciam um futuro promissor desde que, óbvio, permaneçam por mais um ou mais mandatos (nunca se sabe?) no Poder. Pois bem, o que dizem esses senhores não pode mesmo ser levado a sério. Imaginar que, em meio a tão seleta discussão, pudessem considerar nossas mais prementes necessidades é ingenuidade. No lugar de despender dinheiro e trabalho, tentando nos convencer, vias comerciais de TV, que a reeleição é nossa tábua de salvação, eles bem que poderiam ter se empenhado duramente em deflagrar uma ampla campanha nacional de combate ao mosquito e orientação à população. Seria elementar, meu caro FHC. Era o que precisávamos e o que não foi feito…

04. Convém lembrar que, por duas ocasiões, o Aedes foi considerado "erradicado" de todo o território nacional. Isso ocorreu num tempo em que nossa Medicina (ou pelo menos alguns significativos setores) não possuía a excelência de hoje em dia e que nossa vigilância sanitária também não dispunha dos equipamentos e centros de pesquisa que hoje dispõe. É evidente que esses centros, de eficiência comprovada, contrastam com a miséria insuportável da saúde pública no País. Basta lembrar as tragédias dos hospitais de Caruaru, a morte de velhinhos em pseudas casas de saúde do Rio e o noticiário diário dos horrores que hoje vivem os hospitais e pronto-socorros não particulares.

05. Os olhos e a mente de nossos governantes e políticos deveriam estar voltados para essa questão. Todos sairíamos ganhando. Afinal, a saúde é o bem maior de todo e qualquer cidadão. Agindo nessa frente, em nome do bem comum, não seria necessário tanto proselitismo e conchavos para ver a emenda da reeleição aprovada… Toda a Nação se faria ouvir espontaneamente para que o presidente permanecesse por mais um mandato. O povo não é bobo. Quem não quer um governante em sintonia com os verdadeiros anseios populares.