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A moça e o ermitão

“Claranoite
Azul verde
Claro espaço
Dos que não medem
Distâncias
Antes do voo”

A moça procurou o ermitão lá nos cafundós do Reino do Silêncio, onde ele vivia. Queria explicação para o poema que lera, numa horinha de descuido, e não mais se esquecera.

Mal lembrara o nome do autor (o publicitário e poeta Mauro Salles), mas aquelas palavras lhe marcaram profundamente. Faziam-se presentes em diversos momentos de sua vida.

Por vezes, os versos lhe abrandavam o vazio que lhe ia n’alma. Em outras, insinuavam uma nostalgia que não lhe era comum. De todas as formas, a vida lhe era generosa – e, por essas e aquelas, deveria ser grata e plenamente feliz.

Não entendia os desvãos existenciais.

II.

Era um ermitão, não um sábio. Do pouco que sabia – se é que sabia -, uma das verdades era: ninguém consegue ser “plenamente feliz” o tempo todo, todo o tempo.

Por exemplo, estava contente por vê-la ali. “Plenamente feliz” por poder ajudá-la (se é que conseguiria). No entanto, sabia de antemão fugaz aquela encantadora presença a quebrar a solidão do lugar e dele mesmo.

Certamente, por uns bons tempos, lembrar-se-ia da moça que, um dia, lhe trouxe a poesia e reavivou esmaecidas lembranças.

III.

Perdera-se nos próprios pensamentos, e não se dera conta de que a moça estava ali à espera da resposta que não sabia lhe dar.

Disse-lhe então o que lhe veio à mente no compasso de um coração acelerado além da conta:

“As poesias, os poemas, como as canções, são obras abertas – e, mesmo que indiretamente, nos pertencem. Por vezes, dialogam com experiências tidas e havidas, cutucam os sonhos sonhados, recuperam os passos que fizeram nosso caminho, revivem encontros e desencontros”.

A moça tombou a cabeça levemente para o lado e lhe olhou enviesado, de um jeito muito peculiar, muito pessoal, inesquecível – e ele continuou:

“Somos feitos de sonhos e memórias. De voos que sequer planejamos e nem sempre nos levam aonde desejamos, de perdas e conquistas, de amores que, de tão intensos e mesmo que breves, se fazem luminares, e eternos.”

*Nota do autor:

Reparem no milagre do encontro. A moça adorava assistir a Globonews e o JN, o ermitão preferia a Imprensa alternativa, com leve tendência à esquerda, e na versão digital. Era ermitão, mas estava conectado… Mesmo assim, se entenderam e, ainda que por instantes, acreditaram nos versos mornos de um poeta esquecido. Que os fez acreditar que sempre é tempo de sonhar e crer.