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A pergunta

— Por que você está fazendo isso?

Ela respondeu quase em tom de súplica. Do outro lado da linha, a milhares de quilômetros de distância, ele não sabia agora o que pensar. Não se falavam há semanas, não se viam há um tempão (nem sabia precisar, se foi há um mês ou um ano). Mas, de todas as formas, a imagem dela, o encanto do amor vivido — e plenamente vivido — e as asperezas de uma saudade a cada dia maior caminhavam com ele aonde quer que fosse. Perdeu as contas também das vezes que tentou a ligação, sem sucesso. Ora o sinal caía, ora o tom impessoal da secretária eletrônica lhe informava que estava repleta de recados, sabe-se lá de quem. Quando conseguiu o contato, não controlou a emoção e a pergunta se fez inevitável naquele instante:

— Você ainda me ama?

Tolamente, o sim ou não da resposta, ele imaginava definitivo. Acabaria com as incertezas. Que, aliás, continuaram ainda mais latentes, ampliadas agora pela enigmática forma com que lhe respondera.

— Por que você está fazendo isso? Outra hora a gente se fala. Por favor…

O sinal caiu. Mas seria tolice tentar restabelecê-lo. Ela ditara as regras de um jogo que, a essa altura e desde sempre, era de se supor perdido. Pior que havia passado a noite em claro, revirando-se na cama a organizar um raciocínio qualquer. Precisava lhe dizer tudo, organizada e claramente. Queria que ela se convencesse, como agora ele havia se convencido, de que podiam desafiar o mundo com a tal felicidade. Era vital revê-la o mais breve possível, retomar a plenitude daquele amor, muito mais solidificado por esse distanciamento que as contingências impuseram, mas que saberiam superar. Será?

— Por que você está fazendo isso?

O que ela quis dizer com essa resposta?

Pensou, pensou e concluiu.

Talvez para que a deixasse em paz. Quer tocar a vida e não será conveniente que reaparecessem assombrações de um passado (não tão remoto) que deseja esquecer de vez. Ou, no máximo, relembrá-lo de quando em quando, com ternura e uma ponta de desprendimento. Ah! as loucuras de uma paixão não são eternas. Têm prazo para acabar.

E, para ela, a-c-a-b-o-u…

Engoliu seco. Tão claro tudo. Só ele custava a entender.

O que pode querer uma moça hoje?

Óbvio, ela é uma pessoa normal, com direito às pompas e circunstâncias de um casamentão, filhos (muitos filhos, sempre disse gostar de crianças), apartamento de quatro dormitórios, carro importado, Natal com a família, viagens para o Nordeste e todas as pequenas grandes conquistas da chamada realidade pequeno burguesa.

Compreendeu que essa placidez ele nunca lhe ofereceu. Mas, seria tão simples assim esquecer tudo o que viveram?

— Por que você está fazendo isso?

Sua voz não lhe saía da cabeça. Assombra e inquieta. Nunca foi um super-herói, nem tinha a aspiração de sê-lo. Mas, caramba, foram felizes, sim, senhor. E de uma maneira muito especial, muito deles. Criaram um mundo muito particular, de pequenos encantos e grandes prazeres. Lugares e canções que serviram de cenário e trilha musical para um sentimento pleno, inimaginável antes de conhecê-la. Será que só ele viveu essa maravilha de amar e imaginar-se amado? Ele e ela, tamanha unicidade. Imaginava-se eterno nesse sentimento. Pela primeira vez, um amor sereno, feito de risos e verdades. De sonhos que se transformavam em doce realidade.

Estava desconsertado. É impossível que alguém chute tudo para o espaço. E se programe para os novos tempos como um autômato sem memória e emoção. Fez-se as trevas. A ordem é implodir o Planeta Sonho. Que desperdício.

–Por que você está fazendo isso?

Isso lá é jeito de lhe responder.

Como se ele ainda fosse o culpado, o algoz.

Tentou se iludir.

Em vão.

Logo entendeu a extensão da pergunta e a verdade absoluta que nela se encerrava.

— Por que você está fazendo isso?

Ela perguntou por perguntar. Não quis nem ouvir a resposta.