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A quaresmeira

Recebo no celular a foto com a imagem de uma quaresmeira linda que enfeita o campus da Universidade, aqui, onde trabalho. Tem a copa coberta por flores roxas que contrastam lindamente com o verde de outras espécies predominantes em canteiros, praças e jardins.

Imagino que o autor da foto a disponibilizou no grupo de Whats dos professores para que todos a admirem. É um mesmo um belo espetáculo da natureza que, privilegiado que sou, posso ver da janela, próxima à minha mesa.

Dias atrás, quando passei pela frondosa árvore, pensei mesmo e fotografá-la. Tão bonita, atrai olhares e suspiros.

II.

Inevitável. Em segundos, surgem os comentários sobre a imagem postada. Os mais diversos possíveis. Me surpreendem até…

“Que dia lindo! ”

“Ah! O verão…”

“Adoro o verão! ”

“Nossa! Esse campus é mesmo o que há…”

Estranho! Ninguém fala da quaresmeira. Não se deram conta de que ela é a protagonista e reina absoluta em todo o espaço.

Fico tentado a mudar o rumo dos comentários.

Devo, não devo. Não devo, devo…

III.

Melhor, não.

Nem precisa, logo pipocam na telinha outras tantas observações.

“Gente, o meu carro é aquele branquinho na última vaga do estacionamento. Não é fofo? "

“Poxa, o estacionamento está lotadaço”, diz outro. “Depende da hora que você chega não tem vaga…”

“Quem vai almoçar no Centro de Convivência? ” – (outro, deve ser algum solitário precisando de companhia)

Leio e desacredito.

O mundo perdeu a poesia.

Ninguém vai se dignar falar da quaresmeira e sua magia espalhando flores roxas num dia tão intensamente azul e ensolarado?

IV.

Ops…

Alguém está teclando no grupo, as letrinhas azuis pululam no visor do celular.

É agora, penso.

Lá vem a mensagem.

Um, dois, três segundos e …

“Ei, turma, estão vendo aquela árvore roxinha, ali? Estão vendo? ”

Ninguém respondeu. Mas, a moça continuou teclando:

“Então, fiz mechas no meu cabelo naquele tom, um pouquinho mais para o lilás. Dizem que é a tendência.”

“Uau” – teclou algum gaiato.

“Que coragem! ” – escreveu outra.

V.

E a moça de cabelo recentemente colorido cai em si:

“Será que os alunos vão zoar comigo? “

“Vou postar uma selfie para vocês conferirem.”

Abaixo o som da engenhoca. Bloquear o grupo seria radical demais. Mas, sinceramente, prefiro não ver o fim desse papo. Depois apago tudo sem ler.

Decido esquecer o celular e, pela janela, admiro a quaresmeira. Em silêncio.