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A sina de um Poeta triste

Há formas e formas de se estar só.

É o amigo Poeta quem me diz. Tem um jeito triste, e parece lembrar um grande amor (que se perdeu no tempo).

Tento consolá-lo.

Todos têm grandes amores que um dia se foram, digo.

Generalizações confortam, mas não aliviam.

O Poeta, por ser poeta, sabe bem disso – eu é que não me dou conta dessas sutilezas da vida.

Outras nuances de casos assim: o silêncio prolongado e o olhar estático em algum ponto do infinito.

Ele está assim.

Precisa de um ombro amigo, talvez.

Por isso o convite para nos encontrarmos depois de tantas semanas sem nos ver.

– Naquele boteco em frente à estação Sacomã do Metrô.

Falei em chamar o Escova, mas ele sequer se pronunciou.

Não sei porque intuí que fosse um não.

Deixei quieto.

Até entendo a indiferença.

Sempre que o assunto descamba para amores, paixões e afins, o Escova faz jus ao apelido de Dom Juan das Quebradas para tomar para si o protagonismo das ações.

II.

O cenário se revela quando o Poeta retoma a conversa.

E conta o que aconteceu.

Ele foi deixar um amigo no aeroporto de Congonhas e, de repente, não mais que de repente, imaginou que ali encontraria a mulher que amam [e de quem está separado há alguns bons anos.

Não soube explicar o que lhe motivou essa sensação. Mas, o coração acelerou, ele esqueceu o amigo no balcão da companhia aérea e se pôs a procurar pela moça que não vê – repito – há alguns bons anos.

– Que loucura, cara! Não sei o que me deu. Andei como um doido por aqueles corredores, pelas alas. Fui e voltei não sei quantas vezes, estava esbaforido até que vi alguém muito parecido com ela sentada em um dos bancos perto da praça da alimentação. Detalhe: tinha um cara ao lado dela… Olha a situação!.

III.

Meu silêncio é sinal da minha cumplicidade. Por isso, o amigo se sente à vontade para continuar o relato.

– Não tive dúvidas. Tão desvairado que estava, fui lá e me sentei ao lado dela. Aí, minha cabeça estava toda confusa. Já não sabia se ela era ela. Ou se eu estava vendo uma miragem. Às vezes, eu pensava que sim. A moça percebeu que eu a estava ‘secando’ e ficou constrangida. Virou-se para o lado do rapaz que a acompanhava para me evitar. E eu ali, firme, pensando um jeito de me comunicar com ela, fosse ela quem eu pensava que fosse ou não…

Não me espantei com o que ouvi a seguir.

Conheço bem meus amigos.

IV.

– Naquele momento, eu me sentia absolutamente apaixonado. Olha que sem noção! Minha estratégia foi mudar de lugar. Fui para o balcão em frente, do Viena. Pedi um café, e me posicionei em uma mesinha onde era impossível ela não me ver. Ela percebeu a manobra – e, sei que fez de propósito, ajeitou o cabelo com a mão esquerda, aproveitou e mostrou a aliança, deixando bem claro que era casada – e nada queria.

Respiro aliviado.

– Foi o suficiente para você sossegar, digo.

– Você que pensa. Aí que eu resolvi investir…

V.

Antes que o Poeta prosseguisse com a narração de sua aventura em Congonhas, resolvi interpelá-lo para entender melhor o que aconteceu:

– Quer dizer que, em meio a toda aquela muvuca do aeroporto, você imaginou ter visto sua ex, entrou em parafuso, ficou cercando a moça (que estava acompanhada, diga-se), viu que não era ela, mesmo assim continuou no encalço da Fulana, mesmo ela sionalizando que não queria nada?

– Pois é, meu caro, pois é…

– Poeta, vamos ser sincero, você não está mais na idade de se meter nessas paradinhas. Queria arranjar confusão, cara?

– Não é isso, parceiro. Também não sei lhe dizer. Mas, sabe aquelas sensações que surgem quando você se apaixona. Aquela alegria incontrolável, aquele arrebatamento, aquele doce veneno de que ali está o princípio, o fim e o meio de tudo de bom que nos pode acontecer? Essas coisas, meu caro, eu não sentia há milênios. De repente, despencaram em mim e tive uma privatização não dos sentidos (que estavam a flor da pele), mas da razão.

VI.

– Mas, ela estava acompanhada, Poeta. Você não pensou nos riscos?

– Para ser sincero, não pensei em nada. Ainda mais quando o rapaz desapareceu não sei por qual motivo. Se foi no banheiro ou se foi verificar algo da viagem… Aí enlouqueci de vez. Anunciei a todos que ali estava a mulher da minha vida e parti em direção a ela. Era a minha chance.

– E aí, como ela reagiu?

– Saiu em desabalada carreira, entrou na livraria e desapareceu em meio às estantes de livros.

– Então, por fim, você se tocou que era hora de parar, não?

– Não, como lhe disse: há formas e formas de se estar só. Mesmo em meio a toda aquela multidão, em meio a toda aquela fissura, ali só havia nós dois. Quando eu não a vi mais, me baixou uma profunda, uma imensa solidão… Nada mais fazia sentido.

Disse isso – e voltou a ficar em silêncio, olhos estáticos, perdidos no entra-e-sai da Estação Sacomã.

VII.

Peço permissão ao amigo para lhe fazer mais duas perguntas.

Ele consente, balançando os ombros.

– Poeta, e aí, você não a viu mais?

Resposta:

– Não, mas sonho com ela todos os dias. Acho que embarcou sem que eu tenha me dado conta. Ou se mandou, pela porta lateral. Vai saber?

Pergunta dois:

– E o amigo que você levou ao aeroporto? Não estranhou o teu surto e o teu desaparecimento.

Reposta 2:

– Não falei mais com ele. Mas, desconfio que não. Ele me conhece… Único problema é que ele embarcou com a chave do carro que iria ficar comigo e que, até agora, está preso no estacionamento do aeroporto. Vai ficar uma nota essa estadia.

Concluo:

– Poeta, acho que você perdeu a mulher – e vai perder o amigo…