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A varanda (Parte III)

Já não há ninguém na varanda. Ele pegou à estrada de volta à Capital, coração apertado. Ela não vacilou um instante sequer. Entrou calada e se trancou no quarto. Todos ali, naquela casa, dividiam aquela situação limite, mesmo que sem perceber. A vida no espelho da vida. Era olhar para a menina e ver a si próprio – um amanhã incerto, mesmo com todas as certezas. Certezas como as da irmã mais velha que nunca entendeu aquele relacionamento. Mesmo assim, torceu para estar errada. Pela felicidade da maninha, que parecia tão feliz.

CENA 4 – A irmã, amiga e conselheira…

Notou um brilho diferente nos olhos da irmã que acabara de entrar. Percebeu, porém, que continuava triste. Havia chorado, é certo. Logo, logo viriam sinais de melhora, acreditava nisso. A tensão passaria. Ela saberia dar tempo ao tempo.

À noite, sairiam para conversar, como grandes amigas que sempre foram. Ouviria tudo o que a irmã tinha a lhe dizer, daria sua opinião sem grilos, e conselhos — afinal, era um ano mais velha.

Tinha certeza de que a maninha sairia de mais essa roubada e ambas dariam, ao boas e sonoras gargalhadas ao lembrar desse dia. Como nos tempos de adolescentes.

A bem da verdade, nunca entendeu tal relacionamento. Da noite para o dia, a irmã começou a falar em amor eterno, alma gêmea. Que ele era o homem da sua vida. Estranhou, lógico.

Não lembrava de vê-la assim antes.

Cresceram juntas. Frequentaram as mesmas escolas, o mesmo curso de inglês. Aprenderam violão, vestiram-se de anjinhos nas procissões e eram vidradas em festinhas, no teatrinho na escola e showzinhos improvisados. Mas, gostavam mesmo de contar vantagens sobre as aventuras e conquistas junto aos garotos da cidade.

Digamos que, no bom sentido, até competiam entre si para ver quem ficava com o surfista mais gatinho. Roqueiros, groupies e afins também entravam na disputa.

Sempre foi muito divertido.

Teve um dia que ela própria – a maninha mais velha – extrapolou. Enrabichou-se por um bicho-grilo que apareceu na cidade em plenos anos 80. Quando deu por si, estava em Matchu-Pitchu.

Meu Deus, o que foi aquilo?

Achou o gringo tão gracinha. Uma verdadeira relíquia. Vivia do que produzia. Brincos, colares, pulseiras, balangandãs de fazer inveja à Carmem Miranda. Não resistiu àquele sotaque sibilante, aquele jeito sincopado de falar.

Para encurtar a conversa, largou-se no mundo. Partiram de ônibus, com alguns trocados, pelos sinuosos camiños de la latinidad.

É verdade que, antes mesmo de atravessar a fronteira uruguaia, já estavam com fome e sem dinheiro. Mas, ele não dizia nada; não seria ela a estragar a aventura com essas bobagens tolas.

Dois dias depois, estava exausta e na mendicância. Achou melhor dar sinal de vida à família. Adivinhem com quem falou num telefonema a cobrar? Com a irmã, claro. Foi ela, aliás, quem amaciou a mãe e o pai e, de quebra, lhe arranjou dinheiro para voltar até porque o ‘guaio’ já dera no saco.

Eram mesmo muito unidas.

Quando chegou, foi recebê-la na estação e não fez qualquer comentário. Fez mais: só depois que os pais lhe asseguraram que não haveria represálias levou elazinha para casa.

Hoje seria a sua vez de dar o ombro amigo. Afinal, por tudo já descrito acima, era uma mulher experiente.

Além do que a própria irmã, ao entrar, já dissera:

— A vida continua.

Melhor assim. Não ia lá com a fuça daquele tipo. Que história! Amor eterno, alma gêmea. E lá isto existe?