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Antonio Fagundes: O teatro é a Pátria do ator

Engana-se quem for assistir ao espetáculo Últimas Luas com a intenção de aplaudir o sisudo Coronel Gumercindo, da novela Terra Nostra. Engana-se também quem pensa ver o ator Antonio Fagundes no vigor de seus 50 anos a provocar suspiros de fãs apaixonadas. Quem for ao Teatro Cultura Artística, que se prepare: Fagundes está irreconhecível.

Em cena, transforma-se num professor septuagenário, com os tiques característicos da idade – a postura curvada, o andar arrastado e rompantes de absoluta lucidez. “É um personagem perturbador, de exceção” – define Fagundes que o interpreta desde o ano passado. “Ele é vigoroso, apesar da idade e da crise afetiva que está vivendo. Tem um senso de humor extraordinário”.

Aliás, a peça do italiano Furio Bordon lhe garantiu o prêmio de Melhor Ator pela Associação Paulista de Críticos de Arte, além de elogios rasgados de toda a critica especializada. Prestes a completar 35 anos de carreira (começou em 1966 aos 17 anos), o ator é dono de um currículo invejável. Participou de 21 novelas, 15 teleteatros, três seriados para televisão e 37 longas metragens.

Mas, é no teatro onde se realiza plenamente. “O teatro é a pátria do ator, diz com a convicção de quem participou de mais de 40 espetácuIos teatrais. “Últimas Luas conta o nosso medo de amar, sonhar, abraçar, chorar, pedir” – ressalta o diretor Jorge Takla. “O trabalho mais transformador e definitivo dos meus 25 anos de teatro”, completa.

Narra a história de um professor de Literatura aposentado que decide ir morar num asilo e deixar a própria casa para o filho (Petrônio Gontijo) e a família. Nos últimos momentos, antes de partir, ele tem um tocante diálogo com a lembrança da esposa (Mara Carvalho), que morreu quando ainda era jovem. “Só o teatro permite esse momento mágico, essa faísca, esse encontro com o imponderável”, diz Fagundes.

Na quinta-feira (13), pouco antes de entrar em cena Antônio Fagundes falou sobre a montagem, do prazer de estar no palco, da função social e política do ator e até do mau humor do Coronel Gumercindona novela. “E vai ficar pior”, insinuou.

GI – Raras vezes vi em cena tamanha comunhão entre atores e platéia. A sensação que passa, durante os aplausos, no final do espetáculo é que todos se sentiram plenamente realizados pelos momentos que acabavam de viver.

Fagundes – É verdade. É um espetáculo que me realiza plenamente. Se você pegar o meu currículo como ator, vai ver que venho perseguindo esse tipo de comunhão. Sempre pautei a escolha dos meus espetáculos no sentido de tocar a platéia, seja pelo aspecto político, seja pela emoção, seja mesmo pelo humor caustico. Alguma coisa me move, repito, como ator a caminhar nessa dIreção.

GI – E a peça do Italiano Furio Bordon caminha nesse sentido…

F – É mesmo um texto iluminado. Trata de arquétipos da sociedade. Tanto que nenhum dos personagens tem nome, É o pai, a esposa, o filho… O único personagem que tem nome, não aparece em cena, é o neto André. Hoje ninguém está imune à questão da velhice. Por isso, é um texto político também. Toca em feridas sociais que estão aí, e ninguém parece ver. Especialmente quando se vive numa sociedade inteiramente voltada para a produtividade e que exclui aqueles que já não são capazes de gerar trabalho. Na verdade, todos estamos envolvidos nisso – e de uma forma bem cruel conosco mesmo. Pois, ou nós envelhecemos ou morremos, Pior: depois de ficar velho, vamos morrer. Aliás, o texto fala claramente isso em determinado momento: “O homem é o único macaco triste porque tem certeza que um dia vai desaparecer”. Em suma, é uma proposta abrangente porque se oferece à platéia plenamente. E a gente se sente emocionado porque pôde perceber que, desde o primeiro dia, a platéIa entendeu e retribuiu essa entrega.

GI – Só o teatro pode dar o reconhecimento ao ator tão imediato, tão completo, diria… No cinema, na TV como se dá essa resposta? Tem a mesma força…

F – O teatro é a pátria do ator. Então o envolvimento do público se dá num nível de maior proximidade, maior força. A reação da platéia. é quase parte integrante do espetáculo. É claro que numa novela, no cinema, a gente tem manifestações de carinho. Mas, com essa força mágica, diria que só mesmo o teatro. É mesmo inexplicável. Você, ali na platéia, acaba chorando, rindo, se emocionando com aquele velhinho de 80 anos que, na realidade, não existe. É o Antonio Fagundes, ator com 50 anos, que não tem aquele problema familiar, de afetividade. Se olhar para o lado, vai ver alguém assoando o nariz. Nada a ver. No entanto, aquele é o seu universo naquele instante. O que é que faz com que nos emocionemos tanto a não ser essa faísca, essa magía, o imponderável que o teatro, como nenhuma arte, sabe tocar? É uma coisa louca mesmo.

GI – Como é interpretar um personagem 30 anos mais velho. Até fisicamente, você se transforma. Tem uma postura mais curvada, caminha arrastando-se.

F – Todo o ator precisa ter obrigatoriamente esse poder de observação. É o que chamo de deformação profissional. Muitas vezes, pode parecer até cruel para quem está de fora. Estou andando na rua e paro para observar o caminhar arrastado de um velho. Até inconscientemente faço isso. É por aí. O ator está em constante pesquisa, em constante preparo. Não é apenas um trabalho que vale, é sim toda sua experiêncIa de vida. Sei que algum dia essas observações vão me servir para compor um personagem tão maravilhoso como este…

GI – O personagem tem um diferencial marcante. Ele é um homem sensível, culto, mas que tem como grande sonho na vida ser um dos sobrinhos do Pato Donald…

F – Pois é, o Millôr Fernandes (que fez a tradução) no texto do encarte diz que todos nós um dia sonhamos ser o Tio Patinhas. Ninguém nunca se imaginou como o Huguinho, o Zezinho ou o Luisinho. O personagem é tão romântico, tão perspicaz que sonha ser e não ter. Aliás, penso que o grande truque do Furio Bordon é ter feito este personagem mesmo de exceção, perturbador. Não é um personagem do qual se sente pena. Ele é vigoroso, apesar da idade e da crise afetiva que está vivendo. Mas, tem um senso de humor extraordinário. É ele que tem o dinheiro na família. As decisões, ali, quem toma é ele. É só mesmo uma questão de relação afetiva mesmo. Se fosse doente, se fosse frágil, talvez a gente não se identificasse tanto.

GI – O texto discute a velhice de forma tocante, mas em profundidade. O que lhe levou à escolha desse texto…

F – Acho que uma das funções do teatro é ser um cronista de seu tempo, um crítico de sua época, um arauto das mudanças que batem à nossa porta. O espetáculo emociona, mas também chama a atenção para um problema que nos recusamos a discutir: a velhice. E, ao que consta, a sociedade não pode mais se dar a esse luxo. Daqui a 20 anos haverá um quarto da população mundial com mais de 60 anos. A população do Brasil será de 200 milhões de habitantes, portanto aproximadamente 50 milhões de pessoas terão mais de 60 anos. É importante que desde já discutamos o assunto. E mais: é importante que tenhamos, desde já, consciência de que estamos chegando lá. No próximo ano, completo 35 anos de carreira. Poderia me aposentar com 51 anos. Vamos supor que me obrigassem a parar de trabalhar, ia viver como mais 20, 30 anos? Obviamente, essas pessoas precisam continuar em atividade e isso vai gerar um outro momento social e é bom que, desde já, reflitamos sobre possíveis conflitos.

GI – E o teatro é uma das pedras de toque para que a sociedade se dê conta desses conflitos, dessas mudanças. Você acredita nesta força?

F – Essa é a questão. Por isso, ainda não se pode falar em renascimento do cinema quando detectarmos que o público é parte integrante do processo. Idem, para o teatro. Você não precisa se submeter ao que se imagina seja popular. Repetir o tatibitati de sempre. Você pode integrá-Io ao processo. Propor idéias, atitudes, mudanças. Que o espetáculo seja acessível a ele. Que se ele não entender pelo contexto filosófico ou mesmo político, vai prende-Io pela emoção e, sobre tudo, pela identificação. É por aí…

* Gazeta do Ipiranga