Aquele senhor…

O senhor, ali, na calçada em frente ao banco de paredes espelhadas…

Repare, amigo leitor.

Aquele senhor tem algo que me é familiar.

Não sei dizer o quê.

Parece que o conheço.

Lembra o pai, já setentão, quando voltava de suas caminhadas de passos miúdos ao redor do prédio de  apartamentos onde morava na Álvaro Guimarães, em São Bernardo do Campo.

…

O pai chegava desses passeios com aquela expressão de ter tudo sob controle. Apesar do combalido coração já dar sinais de cansaço, o Velho Aldo dava mostras de continuar no comando.

– Fez isso?

– Fez aquilo?

– E aquel’outro?

Eram questões cotidianas como pagar uma conta, levar o carro no mecânico, não esquecer o aniversário da mãe – questões menores, mas para ele fundamentais.

Ele tinha um jeito algo tímido, um tanto melancólico, era repleto de silêncios.

Mesmo quando sorria, não mostrava os dentes. Franzia os lábios apenas, numa expressão de doçura e cumplicidade, de quem não se faz alheio.

…

Intrigante! Aquele senhor me lembra o desconsolo do pai quando eu lhe contava do que vivíamos na USP onde eu estudava: a prisão e tortura de alguns colegas de classe, a morte do professor assassinado nos porões do DOI/CODI, o clima de horror e medo que se instalara nos corredores da ECA, sempre prestes a ser invadida para que nova leva de estudantes fosse presa – e calada.

Ele ficava triste, triste. Balançava a cabeça, como a dizer:

– Aonde vamos parar?

A mãe só sabia rezar – pelos colegas, pelo professor e por mim. Para que nada de mal me acontecesse…

Amém!

…

Pois é.

A imagem daquele senhor no espelhado das paredes do banco me lembrou o pai e me fez pensar em tantas e tamanhas. Me fez cutucar as bordas do tempo – este que não para no porto, não apita na curva, não espera ninguém. Me fez remoer o que houve, o que não houve e, sobretudo, o que ainda haverá de haver.

Coisa estranha!

Aquele senhor no espelhado das paredes do banco, aquele senhor, hoje, sou eu…

 

Renato Braz e convidados farão o show de acolhimento aos participantes da Caminhada do Silêncio, a partir das 16 horas.