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Assim seja

"Todo discípulo leva embora alguma coisa de seu mestre" (Oscar Wilde)

01. À uma distância prudente, da calçada do outro lado da rua, pude observá-lo sem que notasse minha presença. Para ser franco, a impressão que me assalta é a de que poderia caminhar lado a lado e não conseguiria lhe arrancar dos próprios pensamentos; melhor diria, dos próprios sentimentos.

02. Àquela hora da tarde de um dia de semana normal, aquele jovem senhor, certamente, não estava ali, com seus passos duros e arrastados, a praticar qualquer tipo de caminhada atlética. As roupas, aliás, eram típicas de quem largou o expediente a meio-serviço para cuidar de um desassossego que, de resto, parecia soçobrar-lhe a alma e o coração.

03. Caminhava só, com suas amarguras, dúvidas, sabe-se lá. Podiam ser sonhos e conquistas prestes a se realizar. Talvez o fantasma onipresente de um ex-amor. Outra probabilidade seria a de uma conta a pagar (na redação me disseram que os boletos do IPVA estavam chegando pelos Correios, e que eram de tirar o sono do mais tranqüilo dos mortais)…

04. O certo é que seguia indiferente ao trânsito, aos enfeites de Natal, às outras pessoas, ao sol e à chuva, se cismasse esta de cair naquele preciso instante — o que não é impossível de acontecer em São Paulo.

05. O olhar fixo ao chão denunciava o peso de suas aflições. Caminhava como se quisesse zerar tudo, acertar as contas, ter a situação sob controle; assim como se quisesse colocar todos os pingos no único i da palavra vida…

06. Fim de ano é sempre assim — filosofa quem está ao meu lado e acompanha meu olhar a acompanhar o desconhecido. Todos querem por a casa em ordem para entrar com o pé direito no novo ano. Querem ser o que não foram, realizar o que não realizaram. É também quando enfrentam o vazio dos sonhos que se perderam pela estrada e quando se comprometem consigo mesmo de que, a partir de janeiro, tudo será diferente…

07. O amigo continuou sua perolação só que suas palavras me escaparam. Deitei olhar ao chão e, sem perceber, enredado a novos/velhos pensamentos, comecei a caminhar, com passos duros, reflexivos, rumo ao novo milênio… Que a humanidade — sobretudo aqueles que se encastelam nas torres de marfim do Poder — olhe para si, reveja conceitos e torne mais amplos e generosos os caminhos que tem pela frente…Feliz Milênio Novo, Ipiranga!