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Bola no telhado

Desconfio que o grande desafio para quem gosta de escrever é fazer um texto que ele próprio, autor, gostaria de ler. E se sentisse assim, um cronista dos bons. Desses que as pessoas lêem e suspiram.

"Nossa! Ele sabe tudo da vida, dos amores."

II.

No enfileirar de letrinhas do moço caberá boas tiradas de humor e emoção. Que as pessoas gostam de quem as diverte e encanta. Não é verdade?

Hoje não é bem assim.

Muitas vezes, vale mesmo ser um figuraço da chamada intelectualidade. Melhor ainda se for amigo do filho do dono do jornal. Vai se dar bem…

Por quê?

Ora porque com o aval do herdeiro ele está livre para desrespeitar as regras dos manuais de Redação e tegiversar sobre o que bem quiser.

III.

Reflitam comigo.

Se amigo do dono é meio dono, amigo do filho do dono, manda e desmanda, prende e solta, faz e acontece.

Como bom amigo do herdeiro, hoje é praxe um certo verniz de erudição e dá-lhe a citar Proust, Balzac e Neném Prancha ("Treino é treino e jogo é jogo"), que futebol sempre aumenta o ibope do rapaz:

Todos na Redação e fora dela são obrigados a achar lindo.

IV.

Óbvio que, por tais e quais virtudes, o Fulano recebe elogios, comentários apaixonados e convites para eventos sociais.

É mais do que um cronista — aliás está em desuso a figura do sensível observador do cotidiano, repórter do dia-a-dia das pessoas comuns. Aquelas tais que andam de ônibus, metrô, van e nunca são convidadas para festas e badalações…

V.

Hoje, quem escreve coluna, assim como dono de talk-show, logo vira celebridade e só circula em altas rodas. Não sei quando acham tempo para escrever.

Mas, isto, como diria o Parreira (quem diria que sentiríamos saudades do Mano Parreira, não é Dunga?), é apenas um detalhe.

Um detalhe de somenos importância…

VI.

Não sei.

Acho que é politicamente incorreto fazer tais observações.

Pode parecer até que tenho uma diferença com este ou aquele.

Mas, não é isso não.

Vou lhes contar o quê aconteceu.

VII.

Na manhã desta quarta, por um caso do acaso, olhei pela janela da sala de aula — terceiro andar de um desses prédios espelhados na Vila Mariana — e vi uma bola no telhado de uma casa, dessas casas bem antiguinhas daquele tradicional bairro paulistano.

Muitos de vocês não sabem o que significa uma bola no telhado.

Vou tentar resumir em breves palavras:

Para os garotos da minha geração, era um sentimento de perda irreparável.

VIII.

Verdade.

Todos os dias improvisávamos um futebol na calçada da Muniz de Souza. Os postes e paralelepípedos demarcavam nossas traves. Não havia um numero certo de participantes. Os que chegavam depois iam entrando alternadamente nos times.
Também poderiam esperar e formar uma outra equipe que enfrentaria o vencedor da porfia. Jogo rápido, pegado. Uns descalços — haja unhas qubradas, bolhas e topadas. Outros de sapato ou alpargatas que tênis acho que nem existia.

Pois é…

No melhor do pega, o mais desvairado imaginava-se no Pacaembu e enfiava o pé na bola de borracha que subia, subia, subia…

e plaft…

…caía no telhado de uma das casas.

XIX.

A gente ainda olhava esperançoso. Os telhados eram inclinados e, não raras vezes, a bichinha rolava mansa de volta às nossas mãos e pés. Que o jogo continuava…

Porém — e sempre existe um porém –, quando uma bendita telha malajambrada ou calha mais funda cortava o trajeto natural da redonda, era o fim do jogo e dos sonhos.

Era o fim de tudo…

A tarde ficava vazia. A vida ficava sem graça.

Verdade.

X.

Caríssimos.

Na hora que vi a bola ali, quietinha, no telhado, deu uma vontade danada de ler uma crônica com este título Bola no Telhado, mas escrita por um Lourenço Diaféria, um Raul Drewnik ou mesmo o saudoso Plínio Marcos…

Era tudo o que hoje eu queria ler.