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Considerações sobre o fim do JT

Meus quatro ou cinco leitores sabem bem que tenho uma tendência a imaginar coisas.

Pois então…

Tarde ensolarada, eis que me ponho a olhar para o céu e o que vejo?

Uma nuvem distante com forma de máquina de escrever.

Não me peçam exatidão para descrevê-la, pois não a terei.

Talvez seja mesmo inofensiva alucinação deste velho repórter vira-lata que anda lá com (in)certa nostalgia de tempos idos e vividos.

II.

Estava batucando, em meus pensamentos, as desventuras do meu Palmeiras e alguma decepção com a crônica esportiva atual, repleta de achismos e quasquaquás. Naquele preciso momento, lembrei-me do saudoso do Sérgio Baklanos, vulgo Alemão. Seguramente, o melhor texto do jornalismo esportivo que conheci.

Era batata o que o cara escrevia – e como escrevia. Suas análises eram claras, objetivas. Pautavam-se pela apuração precisa das informações, pelo contexto em que se davam, pelo fino trato no encadeamento das palavras.

Baklanos fez parte da extraordinária equipe esportiva do Jornal da Tarde. Ao lado
dele, cracaços da imprensa esportiva como Edson Scatamachia, Mario Marinho, Vital Bataglia, Flávio Adauto, Roberto Avallone, Marco Antônio Rodrigues, Dinoel Marcos de Oliveira, José Eduardo Savóia, Castilho de Andrade, Alberto Helena Júnior, Odir Cunha, entre outros.

III.

Aliás, trabalhar no JT era o sonho de todo o estudante de jornalismo do início dos anos 70. Não só pelo Caderno de Esportes, mas a Redação toda era uma seleção de notáveis profissionais, sob o comando de Mino Carta e Murilo Felisberto.

Era mesmo um timaço: Sérgio Pompeu, Ulisses Alves Souza, Tão Gomes Pinto, Marcos Faerman, José Carlos Marão, Marco Antônio Rocha, Celso Ming, Fernando Mitre, Enio Pesce, Fernando Silva Pinto, Júlio Moreno, Valdir Sanches, Percival de Souza, Marinês Campos, Fernão Portela, Mauricio Kubrusly, Sábato Magaldi, Telmo Martino, Maria Amélia Rocha Lópes, Ezequiel Neves, Marcus Vinicius Gasques, Joel Leite, entre outros tantos e tamanhos.

IV.

Desde a fundação, em 1966, o Jornal da Tarde caracterizou-se pelas inovações que trouxe ao jornalismo brasileiro. Apostou em ousado projeto gráfico (foi o primeiro jornal pré-diagramado), valorizando as fotos e, sobretudo, as grandes reportagens. Ao menos na primeira fase, tem importância equivalente à da Revista Realidade para a consolidação do chamado Novo Jornalismo brasileiro.

V.

Como repórter, tive duas breves passagens por lá. A primeira, nos anos 80, quando parte da equipe se transferiu para a Revista Afinal e abriu uma brecha na Editoria de Cidade. Minha amiga Leila Kiyomura, que lá trabalhava, me apresentou aos editores – e lá fiquei por uns meses frilando na editoria de Cidade. Em fins dos anos 90, também na base do free-lancer, passei uns tempos colaborando com reportagens para o Caderno de Domingo, quando tive a honra de trabalhar como Odir Cunha.

O CD era um suplemento dedicado às grandes reportagens – e não teve vida longa. Infelizmente.

VI.

Chego à Universidade sem olhar para o céu.

As nuvens agora me parecem todas iguais – e ameaçadoras.

Penso no comunicado que a empresa O Estado de S. Paulo ontem divulgou.

O Jornal da Tarde circula amanhã pela última vez.

(Na verdade, há algum tempo já não tinha o mesmo vigor no conteúdo editorial e nas vendas.)

— É o fim de uma era, professor?

Balanço a cabeça, deixando sem resposta para a pergunta do meu jovem interlocutor.

Prefiro não lhe roubas as ilusões.

Desconfio que o jornalismo, como hoje se pratica, caminha para o fim.