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Do luto à luta

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Tem 20 anos e me encontra a caminho da sala de aula.

(Manhã de sexta, no campus da Universidade.)

Caminhamos lado a lado, e é a garota quem toma a iniciativa da conversa. Diz que nunca viveu nada igual ao que lhe aconteceu na noite anterior em plena a Avenida Paulista.

– Foi diferente, sabe?

II.

Diante do meu olhar interessado, ela decide mostrar suas credenciais. Estuda jornalismo (eu a reconheci logo), já participou de diversas manifestações “nesses anos de lutas perdidas”. Anda um tanto desiludida “com o rumo das coisas” e, para ser sincera, se sentia entendiada “ com essas discussões ideológicas  odientas”.

Pensou até em fazer um intercâmbio, mudar de país.

– Ontem, foi diferente, sabe?

III.

Na quinta, saiu do emprego na Oscar Freire no fim da tarde e, de certo modo, sem que lhe pedissem, se deixou levar pelos grupos que seguiam até a Paulista.

– Acho que foi o instinto de repórter, gabou-se.

IV.

Ao chegar ao epicentro da manifestação, viu-se envolvida “por uma força estranha” e emocionada.

– Não sei. Parecia que era alguém muito próximo que havíamos perdidos. Era uma tristeza só, mas havia uma faísca de algo novo, de um reacender da luta. Foi diferente, já disse?

Não havia histeria.

Não havia carro de som.

Não havia gritos de slogans partidários.

Não havia líderes manjados.

Não havia bandeiras de cores diferentes a dividir a massa.

– Havia, sim, uma grande indignação e um enorme por quê?

Por que mataram Marielle e Anderson?

V.

Porque era mulher…

Porque era negra…

Porque defendeu as minorias…

Porque denunciou os assassinatos de pretos e pobres dos cafundós do Rio e, por extensão, do restante do País…

Porque incomodava os dominadores…

Porque clamava justiça em um país sabidamente injusto e opressor…

Porque era uma síntese de todas as nossas causas…

Porque representou a síntese dos sonhos dos humildes e dos desvalidos…

VI.

Não temos tempo de terminar a conversa.

Chego à minha sala, os alunos me esperam. Ela, que me ouviu em silêncio, segue em direção à aula dela.

Fico com a sensação de que lhe disse apenas – e unicamente – o óbvio. Mas intuo que assimilou o mais importante: é muito cedo para abrir mão do Brasil e das singelas utopias que acalenta. São jovens, como ela, sensíveis, inteligentes, fraternos, engajados em prol do bem comum, que apontam o bom combate e a salvação deste Brasilzão de meu Deus.

Do luto à luta!

VII.

Marielle hoje é nossa causa, e nossa bandeira.

Assim como Vlado, Chico Mendes e outros mártires, foi brutalmente assassinada porque representa – insisto – o Brasil de todos os brasileiros, o Brasil que instiga e provoca os eternos Donos do Poder. Os tais que, em suas doentias manobras, insistem em protelar o futuro que merecemos e, mais dia, menos dia, há de chegar.

*(foto: yuri salvador/une)

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