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E agora…

"Ano passado morri, mas este ano eu não morro" (Belchior)

01. Certa ocasião, ouvi de um amigo que outro amigo comum havia feito o seguinte comentário sobre os meus textos: "Dá para saber exatamente a idade dele pelos autores e citações que faz na coluna, como se nada de novo acontecesse sob o sol". Claro que o primeiro amigo veio correndo me contar a observação, acrescentando um ar de fofocagem explícita a situação. Esperava, talvez, que eu retrucasse no mesmo nível — coisa que, de resto, não fiz. Preferi sorrir e silenciar. Primeiro porque há um fundo de verdade — somos produto do nosso tempo, das nossas opções que, por vezes, nos custam trincos e rachaduras na alma. Segundo, porque verdadeiramente não há nada de novo sob o sol, ao menos no sentido de nos fazer acreditar e ter esperanças…

02. Vamos ver se consigo me explicar. Há uma roupagem nova, valoriza-se a tal modernidade, sob a tutela madrasta da globalização. Mas, no fundo, no fundo, tudo permanece na mesma, o que significa dizer pior. Quando não se avança, são inevitáveis a estagnação e o retrocesso.

03. Tomemos este paísão chamado Brasil como exemplo. Vivemos os últimos quatro anos de puro embevecimento com as verdades oficiais nos elevando às portas do tal Primeiro Mundo. Mesmo que a voz rouca das ruas clamasse por mais emprego e menos miséria, a farra dos importados e da classe média em Miami tapava o sol da desilusão com a peneira da mentira, pedra de toque dos pronunciamentos de FHC, Malan e Cia. Tendo a falácia do Plano Real como sustentáculo, o presidente reelegeu-se. De acordo com as hostes planaltinas, o País finalmente caminhava para seu grande destino, mercê das grandiosas conquistas sociais da dobrada PSDB/PFL que, desta forma, mereceria permanecer no Poder por mais 20 anos.

04. Bastaram trinta e poucos dias do segundo mandato para o brasileiro (aquele que sempre paga a conta das orelhadas dos governantes) tomasse na lata a verdade dos fatos. E desse atualidade às inquietações do poeta Drummond de Andrade em meados dos anos 60: "E agora, José? A festa acabou…"

05. A demissão do presidente do Banco Central, Francisco Lopes, é uma clara evidência da crise de autoridade que se instalou em Brasília. Dezoito dias depois da posse, Chico Lopes perdeu o cargo porque defendeu a obrigatoriedade do BC administrar as taxas cambiais. Política que não se afina com os desejos e planos do Fundo Monetário Internacional que, por sua vez, quer o câmbio livre, leve e solto, com as variações do dólar a flanar pelas alturas. Exige mais o FMI, nosso tutor e algoz desde o tempo do militarismo: que os juros sejam aumentados a cada rodada de fuga de dólares para o estrangeiro. O ministro Pedro Malan ouviu subserviente a cantilena dos técnicos. Lopes esperneou — e dançou. Para seu lugar foi nomeado Armínio Fraga, que trabalhou com o megaespeculador George Soros. Dizem os entendidos que a escolha de FHC patenteia a orientação de que "o mercado controle o mercado". Seja lá o que isso possa efetivamente ser, não há dúvida que é melhor apertar o cinto, pois o piloto sumiu…

06. Os versos do cearense Belchior que encimam estas toscas linhas, na verdade, propõem que o brasileiro não entregue os pontos apesar da adversidade. Não sob o prisma do nhém-nhém-nhém dos discursos, mas claramente porque só nós mesmos podemos reverter esse quadro. Discutindo, participando, interferindo de alguma forma na construção de uma sociedade melhor. Queria que os versos soassem como uma alavanca para novos sonhos e novas lutas. Se deixarmos nos abater, aí, sim, se fará o caos…

Um adendo: Belchior (lembra-se?) fez a canção no início dos anos 70, no tempo negro da ditadura verde-oliva e da tortura. Hoje não sabemos ao certo quem é por nós, quem está contra nós, mas convém continuar lutando. Ou como conclui a canção: "Não sou feliz, mas não sou mudo. Hoje canto muito mais…" Ah! quanto a minha idade, estou na curva dos 48, mas ainda sonho e luto, tá!