"As garras da felina
me marcaram o coração.
Mas as besteiras de menina
que ela disse, não.
E eu corri pro violão num lamento
e a manhã nasceu azul.
Como é bom poder tocar
um instrumento"
Os versos de Tigreza, a música que Caetano Veloso fez para Sônia Braga em priscas eras, só fizeram sentido quando os ouvi de Raul Seixas.
Após entrevista que concedeu a mim e ao amigo Clóvis Naconecy de Souza, Raul perguntou como era tocar o nosso Jornal da Mooca, um valente semánario que tinhamos e circulava naquele bairro paulistano em 77/78.
— São 12 páginas, formato tablóide, 10 mil exemplares…
Antes que terminássemos a descrição, Raulzito caetaneou:
— Como é bom poder tocar um instrumento…
Outra frase que Raul disse nesse mesmo dia, e que me é inesquecível:
— O importante é que a gente deixe nossa impressão digital sobre o mundo.
II.
O exercício do Jornalismo é um eterno recomeçar. A cada manhã, enfrentamos "a vida como ela é", e somos o que a professora Graça Caldas chama de ‘historiador do cotidiano’. Esse recomeçar também nos proporciona um aprendizado raro.
Querem outro exemplo?
Quando escrevi a reportagem sobre a morte do escritor Jorge Luiz Borges, descobri uma frase que me marcou profundamente – e ainda hoje faz a minha cabeça:
— A gente pode tudo nessa vida. Só não pode é fazer a si próprio infeliz…
III.
No dia em que Frank Sinatra morreu, ouvi contristado de um caríssimo amigo que "o século 20 havia acabado naquele instante". Estávamos na Redação, e logo entendi: meu amigo falava de um tempo mágico, que a Segunda Grande Guerra separou. Mas, era marcado por um certo estilo, uma certa elegância, amores exasperados e o sonho de sermos felizes.
Hoje, diante de algumas estranhezas da vida, não tenho pudor em adaptar a observação à minha maneira de ser.
— Meu século acabou quando Frank Sinatra morreu, digo aos meus alunos.
É a vez deles estranharem, então concluo citando Rubem Braga, jornalista e o maior cronista brasileiro:
— Eu sou do tempo em que todas as geladeiras eram brancas e os telefones eram pretos.
IV.
De Rubem Braga, há outra frase que me é cara , e foi epígrafe da minha dissertação de mestrado.
— Glória ao padeiro que acredita no pão.
Em setembro agora, participei de uma colação de grau de formandos em jornalismo e fiquei feliz quando uma das oradoras citou a frase.
De tão orgulhoso, até pensei que a frase fosse minha. Ou que fosse eu o motivo de inspiração para a moça.
Nenhuma surpresa para meu auto-engano.
É que "sou apenas um homem só".
V.
Antes que pensem bobagem, esclareço que a frase entre aspas é do cantor Júlio Iglesias. Ele a citou numa entrevista à repórter Glória Maria há alguns muitos anos. Anunciava, com estilo, o fim do romance com a belíssima mulata Daisy Nunes, então miss Brasil.
Lembro que Júlio fez um certo charme ao dizer a frase. Foi um tanto cínico, eu diria. Mesmo assim, e não sei porquê, tive a impressão de que a valoroza repórter do Fantástico ameaçou se atirar no colo do homem.
Deve ter sido apenas impressão. Aliás, como viram, tenho mesmo uma certa tendência a ficar imaginando coisas..