Éramos felizes do nosso jeito, ali, naquele boteco que não mais existe na esquina das ruas Bom Pastor e Greenfeld, onde hoje está a portentosa Estação do Metrô no Sacomã.
Formávamos “uma turma da pesada”, como se dizia à época.
Sem eira, nem beira, menos ainda esteira. Mas cheios de razão e com argumentos para discutir a história do mundo, se necessário fosse.
Havia um catálogo de máximas que ainda, hoje, tanto tempo depois, gosto de citá-las quando conto minhas prosas.
O Nasci, do alto dos quase 60, era o nosso guru, jurado e sacramentado. Era dele o bordão que nos trazia mais perto da realidade. Tínhamos entre vinte e trinta e poucos. Queríamos voar em nossas aventuras dentro ou fora da pequena redação de piso assoalhado e grandes janelões para a rua Bom Pastor.
“Juízo rapaziada. Não estica a corda, compadre, que ela arrebenta”.
Outra dele:
“Um amigo é p’outro”.
Na verdade, uma corruptela de “um amigo é para o outro” que propunha uma integração para o pessoal. Coisa do tipo aquela fala de Os Três Mosqueteiros: Um por todos. Todos por um…
“Sem exageros, amigos. Sem exageros.”
“Não radicalizar jamais”.
Outro das antigas, o Zé Jofre, discordava na fala de socialista convicto:
“Patrão bom nasce morto”.
O Osmar, que morava na Ilha do Sapo, região entre o Riacho Ipiranga e o Rio Tamanduateí, tinha um bordão, digamos, mais existencialista. Que usava mais frequentemente em tempos de chuvas.
“Não apresse o rio… Que a enchente é inevitável”.
O Almir, que trabalhava do outro lado da rua, também bradava o seu bordão, sempre que chegava:
“Meus caros, como diz aquele filósofo, o mesmo homem não atravessa duas vezes a mesma rua Bom Pastor”.
Desse modo, ele justificava idas e vindas cada vez mais cambaleantes, do trabalho ao bar, do bar ao trabalho.
Escova, figura mais constante neste Blog e tido e havido como Dom Juan das Quebradas do Sacomã, enfileirava casos e histórias, sob a capciosa égide:
“Conquista adiada é conquista perdida”.
Ele não usava exatamente o termo “conquista”, mas para bom entendedor creio que é o suficiente.
O Nasci gostava de citar uma frase famosa de Machado de Assis:
A gente vivia se queixando disso e daquilo, mas estávamos todos bem, são e salvos e fortes. Então ele não perdoava:
“Melhor cair das nuvens do que do quarto andar”.
Mas, o dito mais bonito, e que me é inesquecível, vocês podem não acreditar, não lembro quem foi o autor. Foi em uma noite qualquer que se perdeu no tempo.
Lá pelas tantas, quando as brumas da madrugada roçavam nossos sentidos, alguém propôs um brinde que acabou por dar a dimensão daqueles encontros vulgares.
Disse mais ou menos assim:
“Amigos, proponho que bebamos a este momento. Digo por mim, mas desconfio falar em nome de todos. Quando estou com as pessoas que amo – e incluam-se entre elas – sou eu mesmo. Quando estou com as pessoas que apenas tolero, é diferente. Sou alguém muito parecido comigo”.