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O amigo de Jânio

Vez ou outra me vem à mente a figura do Jacob Meyer Júnior perambulando pela Redação com um volumoso caderno espiral. Carregava, encaixado sob o braço, o sonho de um dia publicar aquelas amarfanhadas anotações. O livro se chamaria O Presidente e narrava, segundo o autor, dos bastidores da vida e da carreira política de Jânio Quadros, então prefeito de São Paulo, entre 86 e 89.

Ele queria que nós, jornalistas, fossemos os primeiros a ler e corrigir aqueles “magníficos originais”. Se fosse possível, publicasse a saga janista em módicos capítulos semanais.

Da nossa parte, tratávamos de fugir do Jacob.

Mas, gostávamos muito dele.

II.

Menino pobre em Piquete, Jacob veio para São Paulo cedo. Estudou contabilidade e, ainda estudante, foi picado pela mosca verde do janismo. Desde então, era Deus no céu e Jânio Quadros na terra.

Quando o então presidente renunciou, foi um dos dias mais tristes da vida de Jacob.

Depois, com o ostracismo do ídolo, o então contador tratou de ganhar a vida. Prestou concurso para a Caixa Econômica Estadual e, não tardou, assumiu a gerência da agência Silva Bueno, no Ipiranga, quase esquina com a rua dos Patriotas.

Foi lá que Jacob viveu até aposentar-se lá pelos idos de 80, justamente quando Jânio voltava à cena política como candidato a governador de São Paulo (em 82, perdendo para Franco Montoro) e prefeito da Capital (em 85, derrotando nas urnas o candidato favorito das pesquisas, o então senador Fernando Henrique Cardoso).

Jacob ficou tão feliz que resolveu também enfrentar o desafio das urnas. Candidatou-se a vereador em 88, com o slogan Já-Já. Ou seja, Jacob Meyer Filho para a Câmara Municipal e Jânio Quadros para a Presidência da República em 89.

Óbvio que o nosso herói não ganhou. Mas, querem saber, divertiu-se pra valer.

III.

A começar pela estratégia de marketing. Sim, porque Jacob deu trato à bola e lançou mão, em sua campanha, de um esquema de captação de votos que considerava “perfeito”.

Ele saía logo cedo de Polaroid em punho e andava por todo o Ipiranga. Tirava fotografia de quem encontrasse e se dissesse eleitor. A foto ficava pronta na hora. Jacob ia até o seu carro e a colava num calendário, feito especialmente para este fim. Com seu nome, número e legenda.

— Assim eles não têm como me esquecer. Já-Já para vereador.

Assumiu o codinome. Mas, não convenceu os eleitores.

Distribuiu mais de 20 mil calendários, segundo o próprio Data-Jacob.

Mas, teve pouco mais de 2 mil votos.

— Valeu pelos amigos que fiz – dizia.
IV.

Há que se reconhecer.

A política nunca foi o forte de Jacob Meyer Filho.

Era uma figuraça, um tanto alheia à vida real.

Gente boníssima.

Vestia-se de ternos claros, gravatas floridas.

Depois que se aposentou, adotou um chapelão de panamá, como marca registrada.

Aliás, o chapelão trouxe de uma das muitas pescarias que gostava de fazer no Pantanal.

Em certa ocasião, para provar que era verdade as histórias de pescador que gostava de contar, enviou a um empresário do Ipiranga um presente, no melhor estilo Já-Já: uma caixa de isopor – devia medir quase dois metros – com um gigantesco dourado congelado lá dentro.

Ninguém acreditou quando chegou o aviso dos Correios para que a ‘encomenda’ para o Sr. Tal fosse retirada com urgência, pois a agência não possuía freezer.

Imaginem a cena.

Naquela tarde, os quase 50 funcionários da empresa saíram felizes da vida, carregando, cada qual, a sua parte.

Quando voltou do Pantanal e soube dos transtornos que seu peixe causou, Jacob riu a valer e saiu perguntando a todos os funcionários, um por um, se gostaram do presente.

Foi logo avisando:

— Mês que vem tem mais….

V.

Outra paixão de Já-Já era a música. Mais propriamente a seresta.

Onde ia, se lhe dessem chance, o homem soltava o vozeirão, à la Nélson Gonçalves.

Sua música preferida: “Cabocla”.

Conta-se que, uma noite, Jacob extrapolou em plena solenidade de posse da nova diretoria da Distrital do Ipiranga da Associação Comercial de São Paulo. Os novos empossados alternavam-se em discursar para a platéia respeitosa. A cada intervalo, um pianista fazia um sarau com músicas ambientes, apropriadas para a ocasião.

Dizem que, num dado instante, Jacob aproveitou a pausa, deu uma gorda gorjeta para que o pianista o acompanhasse no velho hit da música popular brasileira.

Para espanto de todos os presentes, foram oito ou nove interpretações seguidas até que cantor e músico decidissem parar com a cantoria.

Há quem diga que Já-Já esperava um bis.

A platéia, porém, se deu por aliviada quando ele parou de contar.

É o que dizem.

Mas, isso, creio, pode ser maldade da oposição, os não-janistas.
VI.

O amigo repetiu o concerto numa tarde de quinta-feira (dia de fechamento da edição) no saguão de entrada do jornal.

Dá-lhe Cabocla – e à capela.

Era um dia daqueles. Tudo atrasado e o tempo comendo solto. Não conseguíamos parar quanto mais dar atenção aos trinados do Já-Já. Ele se esquecera da malsucedida carreira política, curtia sua aposentadoria e tinha tempo de sobra para investir no projeto do livro sobre Jânio.

Nos intervalos, fazia lá as suas serestas.

Penso que a Redação era um lugar onde se sentia acolhido. Ficava à vontade.

Tão à vontade que naquele dia, como não tínhamos como atendê-lo, resolveu cantar Cabocla à toda voz no local mais inadequado possível.

Num espaço minguado de, sei lá, de 40 metros quadrados, se tanto, juntou oficce-boys, atendentes, agenciadores publicitários, o pessoal que estava anunciando no balcão, quem estava no ponto de ônibus em frente, vizinhos e por aí vai.

Um mundaréu de gente para ouvir o nosso cantante.

Do primeiro andar ouvíamos a confusão – e não quisemos acreditar.

Já-Já transformou em palco o primeiro lance da escada e, àquela altura, sentia-se o próprio cantor das multidões.

Só parou de cantar quando um dos nossos, quase de joelhos, implorou para que nos deixasse terminar o jornal.

Ele aquiesceu – mas, deixou implícita uma ameaça.

— Semana que vem eu volto, gente. Vou trazer um amigo que toca violão.

VII.

Lembro do saudoso Jacob Meyer Júnior, com certa nostalgia dos tempos idos e vividos.

É inevitável.

Tenho a sincera impressão que sonhadores pirados como Já-Já não cabem mais na tal pós-modernidade que, dizem, vivemos.

Sei também que estão em extinção as redações como aquelas que vivi nos anos 70 e 80.

Visitei recentemente a de um tradicional jornal paulistano. Era um silêncio, uma organização, quase uma linha de produção.

Aliás, é preciso que se diga:

Hoje, no primeiro Caboclaaaaaa que um romântico qualquer entoasse no hall de entrada de alguma empresa, qualquer empresa, os seguranças baixariam o cacete sem esperar o segundo verso.

Eu sei que vocês vão dizer que sou saudosista…

Não discordo.

Digo apenas que a vida era mais divertida e solidária.

E saibam: mesmo que nenhum de nós tenha lido o que estava escrito no tal caderno do Já-Jám – e talvez até por isso – demos a maior força para que ele transformasse em livro as tais anotações…

Convenhamos.

Éramos divertidos, solidários e… um bocado cínicos

[Texto publicado no livro "Meus Caros Amigos – Crônicas sobre jornalistas, boêmios e paixões"]