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O castelo de San Martino

À Pri, que lembrou de mim
quando morou por uns tempos em Napoli.

II.

Olhamos o mapa da cidade e o castelo de San Martino, onde existe um museu e uma igreja, ficava a dois dedos de distância do hotel. Um alívio. No dia anterior, havia caminhado à exaustão para conhecer atrações, becos e bocas de Napoli. Um aspecto cansado era indisfarçável em mim, e em cada um de nós. Mas, vamos lá… Ao primeiro desafio do dia. Uma passada no calçadão à beira mar. Mais uma vez, olhar o porto onde meus avós, lá nos confins do tempo, partiram para tentar a vida no Brasil e “perna pra quem te quer”. Uma última conferida no mapa para nos orientar e a surpresa que me deixou um pouco triste e outro tanto feliz. Triste porque bastou erguer os olhos, do mapa para o interior da cidade, e divisarmos uma fortaleza, lá distante, no alto de uma montanha – uns 650 metros de altura, por aí. Em súbito protesto, meu corpo cansado despencou desalentado no primeiro banco de praça que apareceu. Não conseguiria. A cidade é um labirinto de ruas estreitas e tortuosas, vielas, escadarias, cantos – tudo devidamente ornamentado pelas roupas estendidas nos varais e expostas aos olhares de quem passar. Dá a sensação de que estamos sempre no mesmo lugar. Impossível o acesso. Aí veio o motivo da felicidade. Por consenso, decidimos: iremos de ônibus. Me pus de pé de pronto. “Vamos!”, dei voz de comando à tropa. “Mas, qual é o autobus?”, alguém lembrou. Dá-lhe de andar às tontas pela cidade. E outro descobre uma loja da Armani – e é um entra sai de gente sem nada comprar, óbvio -, um “saldi” imperdível na Piazza Itália – e tome outra excursão dentro da nossa quase excursão. Há sempre quem queira parar para tomar um café. “Um café só, gente!” e invadimos a cafeteria. Resultado: duas horas depois, é hora de almoçar que ninguém é de ferro. Fomos descobrir o roteiro mesmo só lá pelo meio da tarde, mais do que cansados, a carregar pacotes e casacos – pois, o tal do rigoroso inverno europeu não deu às caras – e eu a arrastar um fastio, uma sonolência gerados pela generosa porção de tortellini que derrubei na refeição. Ah!, o biquieri de vinho rosso também ajudou minha alma a clamar, baixinho, para os botões do meu sobretudo a lamber estoicamente aquele chão histórico:
— Meu reino por uma cama. Meu reino por uma cama.

III.

Um detalhe.
Não era um simples autobus que nos levaria ao destino que planejamos. Teríamos que tomar ‘o funiculare’, uma espécie de “tatuzão” em forma de bondinho que leva penca de turistas e moradores montanha acima, por dentro da própria. Só que a Estação Chiaia – jamais esquecerei esse belo nome – não estava funcionando naquele dia. Chiusa! Portanto, outra caminhada pela via Toledo para enfim, já na estação, errarmos a linha do tal “metrôzinho” e irmos parar do outro lado da cidade.

IV.

Voltamos ao ponto de partida. E, por fim, tomamos o caminho do castelo que anunciei, aos quatro cantos desde a chegada à Itália, era de posse da família. Ao chegarmos, a compensação de todos os “ais”: a tocante visão da baía que se tem da pequena praça em frente à fortaleza. Um encantar-se sem fim.

V.

Uma pequena porta dá acesso ao claustro, projetado por Dosio no século 16, e às diversas alas do castelo, todas no melhor estilo do barroco napolitano. Sempre me deslumbro diante desses monumentos seculares e suas histórias. Vai aí uma sensação do efêmero da vida – a fundação do que chamam de ‘certoza’ é do século 14. Do quanto somos nada e da obra que deixamos ou deixaremos. O nobre Martino (desculpe aí, em plebeus) era um homem de fé e íntegro. Generoso com os pobres, é celebre o seu gesto de cortar o manto com a própria espada e dividí-lo com quem encontrasse passando frio. É bem verdade que não entendi porque o príncipe não oferecia o manto todo. Bom, história é história e há um quadro famoso que perpetua o gesto.

VI.

Ando pra cá, ando pra lá. Descubro um terraço com outra visão linda sobre o bairro histórico de Santa Lucia. Um jardim; atrás do jardim, um pomar com árvores repletas de laranjas. Volto e entro por uma ala desconhecida.

Ouço uma voz:

— Signore, signore. Chiuso. Capisce? Chiuso, signore…

Meu paciente filho faz a tradução, com um sorriso diante da minha cara de espanto.

— Pai, aí não pode entrar. Está chiuso. Fechado, entendeu?

Levei tão a sério a história de estar numa propriedade da família que, sinceramente, não estranharia se alguém me viesse entregar a chave do castelo. Ou, no mínimo, de parte dele…

Mesmo assim, não perco a pose. Mesmo com a temperatura ambiente, visto o sobretudo com a nobreza de um legítimo Martino. Me desculpo com o atento funcionário e dou por encerrada a visita. Antes, porém, faço a ressalva:

— Por essa vez passa, filhão. Mas, da outra vez, tiro o passaporte, mostro o sobrenome e digo ao lacaio o que pode, o que não pode e quem manda nessa birosca…