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O homem dividido

Creio que lhes
devo uma satisfação.

Nada, nada parei de blogar
em 24 de dezembro e só
neste 25 dei as caras
por aqui, mesmo assim
com um texto antigo, mas
que faz referência
ao aniversário de São Paulo.

Nenhum dos meus quatro
ou cinco leitores reclamou
ostensivamente da ausência.

Duas ou três leitoras foram
até gentis na cobrança.

Disseram que estavam saudosas
das bobagens que escrevo.

Outra recomendou que só voltasse a postar
quando estivesse afim. Enquanto isso, avisou,
iria reler crônicas antigas
que lhe fazem “tão bem a alma”.

II.

A bem da verdade, voltei ao Brasil no dia 19,
sábado retrasado, portanto. Estava desde
o dia 24 de dezembro em terras de Espanha.

Viajei de cidade em cidade, a cada um ou dois dias.
Santiago de Compostella, A Corunha, Segóvia,
Ávila, Salamanca, Valladolid, Tordezilhas,
Leon, Burgos, Bilbao, San Sebastian,
Pamplona, Zaragoza, Toledo e Madrid.

Nessas andanças, confesso a vocês,
dispenso o celular e qualquer consulta à net.

Para ser franco, entrei no blog duas vezes.
Quando ainda estava em Santiago, lá pelo dia 27,
quando tirei da homme a mensagem de Natal
e lá deixei o aviso de “o blogueiro está de férias”.

A outra vez foi em Madrid, quando já se
anunciava o fim da peregrinação
e a volta ao Brasil.

III.

Creiam.

Essa desplugada não é sinônimo
de desinteresse. Tem motivo óbvio.
Se estou lá, não estou cá.

Portanto…

Depois, há outras razões vitais
para se preocupar. Além do bate-perna por
museus, igrejas, jardins, lugares históricos,
é preciso buscar um lugar para dormir,
para comer, controlar a grana,
discutir qual será a próxima etapa
da viagem, se vamos de carro ou de trem…

Enfim…

Nunca há uma programação oficial –
e, no fundo, no fundo, acho
que este é o barato da viagem.

Deixar as coisas assim
ao sabor dos ventos, do imprevisível.

IV.

Houve um ano que, em Amsterdã, cheguei
em frente ao badaladíssimo Museu de Van Gogh.
Ao lado havia um grande parque coberto de neve,
onde pais e filhos pequenos brincavam
como se fosse um dia de sol.

Escolhi ficar à toa pelos jardins
enbranquecidos e depois tomar
um café num quiosque feinho de tudo.

Naquela manhã de sábado, tínhamos duas horas
para conhecer o Museu porque à tarde partiríamos
– e eu me decidi pelo parque.

Os que estavam comigo não entenderam
a minha opção. Há quem viaje para a cidade
só para ver as obras do mestre da pintura.
Mas, posso lhes garantir, foi um
dos grandes momentos daquela viagem.

V.

Neste ano, por exemplo, nos perdemos
pelas ruas estreitas de Segóvia, um cidade
medieval onde passamos o reveillon
ou “a noite velha” para eles.

Subíamos aqui, descíamos ali.
Tentávamos um beco, uma viela.
Andávamos pra lá e pra cá – o que é
comum acontecer nessas viagens – até
que chegamos numa pequena praça, onde
havia um monumento, no mínimo, intrigante.

Tinha a seguinte inscrição:

AGAPITO MARAZUELA
Maestro del folclore castellano.

VI.

Mas, o que me chamou atenção foi
a escultura em bronze de corpo inteiro
do senhor Agapito ao centro da praça.

(Veja foto acima)

Há um vão de uns 60 centímetros
entre a parte da frente e
a parte de trás da estátua.

Fiquei a imaginar o que o artista tentou
mostrar com aquela abrupta separação
– corpo e alma, passado e futuro,
sonho e realidade…

Desencanei…

VII.

Assim que cheguei ao Brasil, ainda no
aeroporto de Guarulhos, enquanto esperava
a minha mala, que sempre teima em ser
uma das últimas a dar o ar da graça nas esteiras,
lembrei do Sr. Agapito. E continuei
a lembra-lo em todos esses dias…

Daí a hesitação em voltar a escrever…

Me sinto, como aquela imagem,
um homem dividido.

É certo que estou aqui a retomar a vida,
os compromissos, o trabalho, os textos.
Mas é certo também que outro tanto
de mim continua a vagar pelas
ruas de Santiago, A Corunha, Segóvia, Ávila…