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O homem e a menina

"Trabalhar pelo que se ama,
amar aquilo em que se trabalha." (Tolstói)

I.

O homem caminhava pela praia — aliás, como houvera feito em todas aquelas tardes de hipotético descanso. Atravessara momentos difíceis, repletos de altos e baixos, erros e acertos, mais tristezas do que alegrias. Muitas vezes, em meio ao estresse do dia-a-dia, percebera-se absolutamente indiferente à vitória do bem sobre o mal, à supremacia dos insensatos, às verdades mentirosas que a mídia e as pessoas impõem como se, insidiosas e ladinas, nada quisessem ou esperassem de nós.

Enfim, o homem caminhava pela praia a ruminar desatinos, a contabilizar os sonhos que deixara para trás. Vez ou outra olhava para o mar. Em silêncio. Era só um homem só a mirar a linha que une os dois tons de azul no horizonte tão imaginária quanto ele próprio se achava ali, naquela hora, naquele lugar a espera de todas as respostas, a espera de, quem sabe, um milagre chamado esperança…

II.

O homem caminhava pela praia e sentiu a inconveniente presença de um grupo de pessoas mais a frente, próximo ao ancoradouro dos barcos. Eram entusiasmados turistas que se reuniam para um rápido tour pelas ilhas perdidas dos arredores de Angra e Parati.

Sem pensar, deixou-se ficar por ali para ver a partida.

Justificou-se perante ele mesmo reconhecendo que é sempre tocante ver uma embarcação se afastar do cais. Há invariavelmente alguém dando adeus para alguém. É um gesto de separação que pressupõe a doce promessa de reencontro, da volta.

Tolices de um homem só.

III.

Escuna ao mar, lamentou a falta dos tradicionais apitos. Dariam mais dramaticidade a cena. Mas, ponderou, já estava a querer demais. Caminhar pela praia era sua rotina e propósito, agora, já reivindicava uma cena de cinema para o pacato cotidiano. Era melhor retornar, preferencialmente, pela mesma faixa de areia, a remoer os mesmos pensamentos e lembranças que o trouxeram até ali, beira do mar, lugar comum. Ele também era um homem comum — e sem planos. Vazio.

IV.

Nem bem havia dado o primeiro passo, ouviu um chororô tímido, abafado; mas doído que ele só…

Olhou ao redor e espantou-se ao ver que o lugar estava quase deserto. Lá estavam ele e mais meia dúzia de pessoas que, pelo grená-e-amarelo dos trajes, logo reconheceu tratar-se de funcionários de um hotel próximo dali. Vieram acompanhar a turba de forasteiros e agora se preparavam para retornar. Mas, de quem era o tal do lamento sentido?

Atentou o olhar e viu recostadas a um beiral duas garotinhas, de três ou quatro anos quando muito. Aproximou-se e notou que a mais crescidinha consolava a menor que debruçada numa banqueta de praia escondia o rosto com os braços para disfarçar o choro.

Ao lado delas, a monitora de férias tratou logo de explicar quando o viu por perto. "Essa pestinha não quis ir com os pais no passeio de barco para ver o teatrinho no hotel, agora está morrendo de saudade da mãe. Pode?

V.

Ao ouvir a sua história narrada a um estranho, a garotinha tirou meio rosto para fora. E com os pequenos olhos avermelhados e os lábios franzidos, respondeu ao homem que podia sim. Não disse sequer uma palavra e voltou ao choro abafado, mas foi o suficiente para que ele lhe desse razão.

Também em silêncio condenou a irresponsabilidade dos pais.

Mas, percebeu que algo de muito bom havia lhe arrebatado a alma e o coração. Lembrou em alguém distante, um alguém muito especial, que, de uma forma mais singela, o rosto da garotinha lhe trouxe a mente de imediato. Concluiu que, sim, o sonho era possível.

Por que não?

O grande milagre era estar vivo — e, melhor, poder lutar pelo que se quer. Quem sabe, num futuro não muito distante, ele não poderia estar por ali, na mesma praia, a olhar o infinito, mas a contemplar também alguém a quem sempre soube amar e, talvez, também por ali houvesse outro projetinho de gente, com a mesma expressão de futuro e a quem docemente chamaria de…

…Esperança.

* Julho de 1999, em Gazeta do Ipiranga.
Porque sonhos não envelhecem…