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O Menino da Porteira

A propósito das notícias que ouvi sobre a refilmagem do clássico sertanejo Menino da Porteira, quero recontar uma história antiga que registrei aqui não lembro bem quando. É que, lá no mais antigo dos anos, entrevistei o garoto que fez o personagem título daquela produção. Foi um baita sucesso que solidificou a carreira de Sérgio Reis no universo da música caipira.

A antiga moda de viola regravada por Serjão forneceu o entrecho para o filme. O garotinho Márcio Costa fazia “o menino da porteira”. Tinha nove, dez anos, se tanto e eu o entrevistei. A mãe o levou ao jornal e falava por ele que, por sua vez, ficava a se olhar no reflexo do vidro da janela da redação. Alheio ao que se passava ao redor, ajeitava o cabelo, fazia caretas, sorria, gesticulava num mundo que era só dele. E a mãe a dizer que o filho nascera para a arte e ele a interpretar ele mesmo em frente a janela.

Essa cena ficou na minha cabeça.

O tempo, senhor de todos os ritmos, passou. O menino, depois do filme, fez algumas novelas, outras tantas peças teatrais. Porém, nunca mais alcançou a mesma projeção. Virou adulto e os papéis rarearam. Reapareceu na redação várias vezes. Vinha divulgar o curso de teatro que iria ministrar na escola tal ou falar do ‘personagem incrível’ que iria representar numa peça infantil ou mesmo para anunciar que seria escalado para a novela XYZ — papel que invariavelmente perdia para os novos meninos da porteira, de todas as idades e procedências.

Num dia de julho de 2004, o tal menino, aos 36 anos, não sei se diante da janela ou do espelho, encenou o derradeiro personagem. Morreu sozinho num apartamento no bairro do Ipiranga, onde sempre morou. Era o fim inglório ao que se entendia ser ‘a promissora carreira’. Ninguém soube explicar o ato final. Saiu uma brevíssima nota sobre o fato num jornal da região – e só.

Lembrei essa história hoje. A notícia da produção estava no home do Uol. Tenho certeza que poucos vão se lembrar do Márcio Costa. Quis fazer uma modesta homenagem.

Acho oportuno também propor a reflexão sobre os dois lados da moeda. A fama e o anonimato. O sim e o não.

Vivemos tempos estranhos.

É a vida que nos enreda e nos exige forte e, ao mesmo tempo, precisamos ter a desfaçatez de não nos levarmos a sério. A nós, aos nossos quereres, à nossa rotina. Algo assim como a leveza de um filme do Carlitos – que, por sinal, era o apelido do meu avô.

Repare como o vagabundo toca a vida, mesmo na maior das aflições. Para ele, os chefes, as autoridades, os poderosos são invariavelmente medíocres, bizarros – qualquer semelhança como nosso dia-a-dia é mera coincidência. Os amores tardam, se esgueiram daqui e dali. Mas chegam e, o que é melhor, sempre chegam no momento certo.

E ele não precisa de nada mais.Tem o auxílio luxuoso não de um pandeiro, pois não nasceu Luiz Melodia, mas de uma bengalinha e um chapéu ‘coco’ ou mesmo um brevíssimo sorriso, um olhar que seja. Assim dá certo ritmo à caminhada porque a estrada é longa e sinuosa. Perde-se nos confins do faz-de-conta e é infinita enquanto se chamar esperança.