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O passo, o caminho e os livros

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Foto: Arquivo Pessoal

Tem uma dolente baladinha dos Titãs com verso que diz:

“O acaso vai 

Me proteger

Enquanto eu

Andar distraído”

Sabem qual?

Pois é…

Desconfio que abençoadamente tem sido assim a minha trajetória de vida.

Quase nada do que me aconteceu ao longo do passo e do caminho eu planejei.

Vida veio – e me levou.

Não escolhi ser jornalista.

Profissão de fé. Amo. Mas, não foi escolha minha.

Entrei na Escola de Comunicação e Artes da USP mais pelo atrativo do nome que me é simpático do que por inabalável vocação às lides de Imprensa.

À época, eram dois anos de estudos básicos e teóricos nas ditas áreas de Comunicação e Artes. Só depois, no terceiro, optávamos ´pela especialidade em que deveríamos nos diplomar.

Num primeiro momento, pensei em Rádio e TV.

No balanço da carroça, as melancias se ajeitaram – e lá fui eu para o Jornalismo.

Não me arrependo.

Daí pra frente é a história que todos sabem – e, por falta de repertório e imaginação, repito por aqui todos os dias.

Escrever passou a ser a minha sina.

Quando garoto, as aulas de redação eram as que mais me mexiam comigo.

Mistura de expectativa e medo.

Temia ser chamado à frente para ler as minhas maltraçadas linhas.

Ao mesmo tempo, passado o susto pois nunca era o eleito, ficava admirado ao ouvir o colega Gilberto Chimenti (menino calado, algo triste, que nunca aparecia no campinho de terra batida para o futebol) fazer a leitura da sua composição.

Era dele, via de regra, a melhor redação da sala.

Pensava comigo mesmo:

“Quando ele escreve a primeira palavra, como sabe que é a correta para dar tudo certo no final?”

Olhem que questionamento angustiante, e sem noção!

Os prazos apertados dos jornais me dissiparam tais temores ao longo do adiantado das horas dos fechamentos diários.

Aprendi, aos solavancos, a escrever na base das respostas às tradicionais cinco perguntinhas do lead:

O quê?

Quando?

Como?

Onde?

Por quê?

Vamos que vamos…

Toc. Toc. Toc.

Saudades da velha Olivetti.

Reconheço, porém, meu atual notebook é bem melhor.

Uma tarde que se perdeu no tempo soube que o escritor Fernando Sabino seria colunista do nosso jornal.

Soube também que enviaria a crônica do Rio de Janeiro – e a mim, quanta honra para um pobre mancebo, caberia a ilustre tarefa de:

1 – receber o envelope endereçado em meu nome (honra dobrada);

2 – ler atentamente o conteúdo;

3 – contar o número de linhas;

4 – diagramá-lo em duas colunas do alto ao pé de uma das páginas do caderno de Cultura;

5 – qualquer dúvida, recorrer ao chefete de plantão.

Uia.

Nunca foi preciso mudar uma vírgula do que o homem escreveu.

No mais, fiquei maravilhado com as possibilidades do texto ao emocionar tantos leitores.

A partir de então, tornou-se um hábito meu ler esse e outros escritos de Sabino.

De Sabino passei a Lourenço Diaféria, em fase áurea na Folha de S. Paulo.

Ao Sabino e ao Diaféria, acrescentei LM e Raul Drewneck (no Estadão), Plínio Marcos (na Veja) Carlos Heitor Cony (Folha) e Rubem Braga onde quer que escrevesse (livros, jornais, revistas, traduções, bulas de remédio).

Virei um apaixonado por crônica e pelos cronistas.

“Quer dizer que jornalista também pode escrever assim?”

Era a intrigante indagação que eu me fazia.

Num dia qualquer pelos idos de 1979, a dona do jornal, Araci Bueno, me chamou e determinou:

“Você vai escrever uma coluna semanal. Escolha o título.”

Assim sem muito pensar, disse:

“Caro Leitor “

Então…

Posso lhes assegurar que esses encontros semanais com os leitores foi a melhor parte da minha rotina até 2003 quando deixei a redação para assumir outras funções no curso de Jornalismo da Universidade Metodista de São Paulo.

Não preciso dizer mais digo:

Não planejei voltar à academia como mestre.

Em outra tarde qualquer, só que de 1998, tocou o telefone na redação.

Alguém disse que era para mim.

Atendi.

Era a professora Katy Nassar me convidando para “fazer uns consertos nos textos dos estudantes do quinto semestre de jornalismo, responsáveis pelo jornal-laboratorial Rudge Ramos Jornal“.

– Você tira de letra, ela disse.

E acrescentou:

– Levanta uns trocados e, de quebra, seu filho que é nosso aluno tem bolsa integral.

Fiquei por lá 20 anos, acreditam?

Explico o porquê das lembranças (ou lambanças?).

Estou lendo o livro de poemas e poesias Estrela de Uma Vida Inteira, de autoria de Manuel Bandeira. Um tomo pançudo de 450 páginas em letrinhas miúdas.

Faz alguns dias que carrego o livro pra lá e pra cá.

(Para ler poesia, precisa embalar

e o ritmo certo das palavras enfrentar.

Complicado, sei bem que o é,

mas inspirador sempre será.) *

Estou na página 370.

Pois bem…

Só ontem quando fechei o livro me dei conta que uso como marcador de página um velho convite da minha primeira noite de autógrafos.

Quando estreei como autor com a coletânea Às Margens Plácidas do Ipiranga.

Foi em 1997.

No saguão do Museu do Ipiranga.

Estava rodeado de amigos.

Olhei a data:

9 de junho

Há 24 anos, portanto.

Não planejei essa lida.

Dez títulos espalhados pelos sebos da vida e mais de 4 mil posts depois, ainda tenho lá minhas dúvidas se escrever me é um dom ou airosa teimosia?

De qualquer forma, vale o registro: foi assim que tudo começou.

* Poeminha danado de ruim – e de minha autoria. Perdoem, mas não resisti. 

 

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