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O sonho de ontem e a farsa de hoje

"O amor nunca impediu ninguém de seguir os próprios sonhos"

01. Era um desses países que têm tudo para dar certo. Uma alegre canção o definia como abençoado por Deus e bonito por natureza. Sobravam riquezas naturais e minerais. Estava a salvo de cataclismas como maremotos, furacões, terremotos. Possuía as estações do ano bem definidas, o que favorecia o plantio em suas terras, tidas e havidas como amplas e generosas. Havia grandes mananciais de água e muito mais. Do seu povo, sabia-se que, no mínimo, era ordeiro, trabalhador e muito festeiro…

02. Tratava-se, portanto, de uma Nação privilegiada. Mas, a situação ia de mal a pior. Difícil de acreditar, mas grande parte de sua gente vivia com a porta escancarada para a miséria. Passava fome, não tinha onde morar e faltava-lhe até a expectativa de dias melhores. A crise econômica corroía o ganho suado dos trabalhadores, liquidava as empresas de capital estritamente nacional, exterminava sonhos e anseios…

03. É bem verdade que uma ínfima minoria tudo podia, tudo possuía — e queria sempre mais e mais. Locupletava-se como bem entendia, com abonos moradias e outras coisinhas mais. Ocupava altos cargos públicos e exibia dotes inimagináveis ao comum dos mortais. Mas, nem assim essa elite podia sorrir e escapar das preocupações. A miséria absoluta e insensibilidade dos governantes acabaram por gerar uma onda de violência irrefreável. Assaltos, seqüestros, furtos, assassinatos, chacinas na periferia. Matava-se por um simples par de tênis. A lei do cão. Todos estavam sob constante ameaça…

04. É o caos, a barbárie… — clamavam alguns. Mas, a solução andava distante. Eram escândalos sobre escândalos. Corrupção nas altas rodas. Os menores na delinqüência. Os políticos desacreditados. As instituições falidas. O desalento tomava conta de tudo e de todos. Cogitou-se, em outros tempos, um pacto social. Falou-se em diálogo das oposições, entendimento suprapartidário, alianças por isto e aquilo — e nada. Chegaram mesmo a forjar planos econômicos, reformas estruturais e até mesmo um salário mínimo na faixa dos 100 dólares. Rotundos fracassos. Eram crises e mais crises. A Nação expirava…

05. Em meio à turbulência, alguém lembrou de um príncipe-sociólogo que, num passado remoto, houvera cunhado escritos em prol dessa entidade chamada
povo. Além do que, sempre que se pronunciara em público, dava rápidas soluções para os mais intricados problemas sociais. Era o homem, todos acreditaram. E o aclamaram o rei dos reis…

06. O homem logo se imbuiu de todos os poderes — e, como conseqüência, se viu rodeado de novos amigos e parceiros. Era uma ousadia contrariá-lo até porque seus discursos tornavam-se a cada dia mais empolgantes, e politicamente corretos. Suas falas, sempre encantadas, não deixavam qualquer problema sem solução. O país caminhava inexoravelmente para seu grande destino. Só os súditos mais súditos não viam essas palavras transformarem-se em realidade e começaram a chiar. Alguns alquimistas também desconfiavam, mas foram logo tachados de neobobos…

07. Respostas sempre afiadas. Um ilibado renome internacional. Em perfeita sintonia com o momento global, de privatizações e abertura do mercado aos mui amigos. Planos e projetos sempre aptos a serem anunciados, comentados, discutidos (e só isso, porém) para uma mídia subserviente e dócil. O homem estava se achando demais. Era tão brilhante que, dias antes de um Carnaval, resolveu fazer uma concessão à plebe ignara e confessar seu sonho de garoto: queria ser ator. Ele que tudo podia — deve ter imaginado — que grande ator não seria… Houve quem concordasse, é óbvio. Houve também quem entendesse e lamentasse o tamanho da insidiosa farsa que todos nós estamos vivendo…