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O susto e o relato de Lia

"Tudo tão errado que parece certo" (Kiko Zambianky)

O e-mail chegou no início da semana às telas dos computadores de dezenas de amigos. Lia é universitária. Tem 20 anos, estuda à noite e faz estágio numa empresa estatal. Ou seja, mora num bairro, trabalha nas imediações da Paulista e estuda em outro mais distante. Adaptei a trama para nossa região. Em tempos áridos, vale tudo para não perder uma boa história que semeie a esperança num mundo melhor. Sigamos, pois, com o relato. É o que interessa:

Meus amores. Estava pê-da-vida com a humanidade, achando que todo mundo só está interessado em puxar o tapete um do outro, e fui para a faculdade. Detalhe: saí da empresa às 19h15 devido a uma reuniãozinha de última hora que segurou minha chefe, responsável pela minha carona. Bom, anyway, cheguei na faculdade eram 20h20 e descobri que não havia absolutamente nada para fazer. Para aumentar minha raiva, descobri que meu amigo Gabriel não havia ido para a faculdade. Portanto, acabava de perder a comodidade da carona. Tudo o que conseguia pensar era a delícia que seria estar em casa antes das 22 horas. Fui atrás de outro amigo, também motorizado. O nome do moço é André. Gente fina esse André. Acontece que bem nessa noite o André havia programado uma balada. Resultado: outra carona perdida.

Até podia ter optado por tomar uma cervejinha com ele, mas preferi não. A utopia de chegar em casa cedo ainda me atormentava. Então me conformei. Ia mesmo voltar de bumba. Olhei na carteira e outra revelação completou meu dia: nem um real sequer. Ferrou!, pensei. Ia ter de passar em um banco para tirar três reais. Parei na esquina da Nazaré com a Moreira e Costa para perguntar aonde diabos eu acharia um ltaú. Não sei bem se era um bar ou uma pizzaria. O gorduchinho foi extremamente simpático e me disse que se continuasse na Bom Pastor acharia um banco. Fui pra lá morrendo de medo. Nem uma alma na rua. Nem meia alma no caixa eletrônico. Foi então que começou a minha saga.

Meu cartão não passava na porta. Aí, justo quando pensei essa é minha última tentativa, o cartão funcionou. Entrei e lá no caixinha havia um recadinho dos mais simpáticos: "Suspendemos o atendimento eletrônico das 22 às 6 horas por motivos de segurança". Vocês não fazem idéia do meu desespero. Foi quando, inesperadamente, o gordinho da pizzaria estacionou o carro em frente ao banco e desceu. Pensei logo em seqüestro. Pô, ele sabia que ia ao banco e aparece do nada? Muito estranho. Ele se aproximou e veio dizendo calmamente: "Lembrei que você ao banco e já passou das dez". Aí eu gelei! Pensei no pior. Naquele exato momento, percebi o quanto a gente às vezes julga por pura insegurança. O moço, todo sorridente, abriu a carteira e tirou dez reais.

"Toma moça, era para a condução o dinheiro?" Você parece minha filha e eu fiquei muito preocupado.

Me joguei nos braços do gordinho e comecei a chorar. Eu estava muito feliz e ele quebrou toda a maldição que eu havia depositado na humanidade horas antes. Ele me deu um abraço e disse para não me preocupar em devolver. Gente, vocês não estão entendendo… Quando eu achava que tudo estava perdido apareceu La Pelota. De pronto, eu saquei o celular sem crédito e liguei a cobrar para a minha mãe para contar o ocorrido.

Quando entrei no ônibus, que também estava completamente despovoado, eu estava toda esbaforida e chorando ainda. Sentei naquele banco vermelho do businho, do lado do motoca e terminei de contar a história para a minha mãe.

Percebi que o motorista era um bocado diferente. Tinha uns tiques estranhos, mas a pureza mais clara do mundo no olhar. Não havia um passageiro que não o cumprimentasse ou desse algo para ele…

Seu Jesus, pasmem vocês, era o nome dele. De súbito, ele virou-se para mim e falou: "Sabe o que você tem de aprender, menina? Que existem pessoas boas como você e fazem o bem sem querer nada em troca. Guarda esses dez reais. Sabe, se você não tivesse conseguido o dinheiro eu te levaria do mesmo jeito".

E abriu aquele sorrizaço. Fomos conversando e eu fui agradecendo a Deus todas as coisas que haviam dado tão erradamente certo. Ele foi me contando como ama trabalhar e o quanto é bom ter nos passageiros amigos de verdade. E lá fui eu chorar de novo.