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O viajante parvo

Foto: Arquivo Pessoal

Quando me perguntaram, lá no idioma deles, de qual país eu vinha, não consegui entender de primeira.

Os garotos se entreolharam – e repetiram com mais vagar a pergunta.

Tentei disfarçar.

Em resposta, disse convicto:

“Do Reino Unido do Cambuci.”

E deixei estar,  com pose de quem acabara de anunciar a pátria mais poderosa do planeta.

Olhar perdido no horizonte, a perscrutar que, nos arredores, haveria a imensidão daquele mar incrivelmente azul que tanto almejava encontrar…

II.

A senhorinha que acompanhava aquela turma de escoteiro (ou algo do gênero, usavam um uniforme bem parecido) topou o jogo da embromação – e, após um breve silêncio, disse:

– Acho que sei onde fica.

Off course, respondi imitando o pedantismo tolo de um conhecido com quem trabalhei e se achava o próprio “ó” do borogodó.

III.

Abril de 2006.

Estávamos em Curaçao – e eu ainda não me habituara ao cotidiano do lugar. O centrinho de casario colorido, no melhor estilo holandês. A ponte movediça sobre o imenso canal que recebe navios imensos que fazem longas manobras, como se fossem imensos automóveis estacionando ao meio fio. A mixórdia dos pratos típicos – e imprevisíveis. O ritmo arrastado que tudo parece ter por ali ao sol e à lua de todas as horas. As praias distantes uma das outras – algumas de parca estrutura para um turista parvo como eu.

Enfim…

IV.

Naquele momento, paramos num trecho da estrada para ver os tais flamingos que se aglomeravam num braço de mar, uma lagoa, não sei bem.

No meio da algazarra de fotos e saudações às aves (“que lindos!”, “como são fofos!”, “vou fazer uma selfie!”), grupos de brasileiros eram os mais barulhentos.

Me incomodei com a festa.  E me afastei um tantinho para supostamente descansar num banco de madeira à sombra de uma mal-ajambrada cobertura de sapé.

Escolhera estar ali, em Curaçao. Mas, decididamente, não me sentia inteiramente ali.

Não sei se me entendem.

Pois, nem eu me entendia até então.

V.

Foi quando os garotos me rodearam como fazem sempre para saudar os estrangeiros. A chefe do grupo entendeu que eu não estava disposto a muita conversa. E logo encerrou o encontro:

– Que a felicidade o acompanhe sempre! Seja bem-vindo, brasileiro!.

Naquele preciso instante na pátria distante, começava a votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff num Congresso em delírio.

No fundo, no fundo, eu sabia que a democracia no Brasil, pela qual a minha geração tanto lutou, estava por um fio.

E, tão cedo, não haveria retorno.

Como uma ave migratória que bate asas e voa…

Leia também: Em Curaçao…

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