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Olhos de menino

"Todos esses que aí estão atravancando meu caminho, eles passarão… Eu passarinho!" (Mário Quintana)

01. A emoção do professor José Sebastião Witter comoveu todos que acompanharam os recentes fatos envolvendo o Museu do Ipiranga — desde a iluminação externa acionada na noite de quinta-feira da semana passada, a posse da nova diretora, Raquel Gleizer, na tarde de segunda e o jantar-homenagem a Witter que aconteceu na mesma data. Todos esses momentos surpreenderam o ex-diretor do Museu com olhos de menino espantado, como se visse o mar pela primeira vez…

02. Witter, na verdade, poderia estar olhando — e com justificado orgulho — para a luminosidade de uma obra que se revelava impossível há cinco/seis anos, quando aqui aportou para reerguer o esquecido Museu Paulista da Universidade de São Paulo. Àquela época, tão distante da comunidade quanto da Academia, o Museu vivia um período de ostracismo e abandono, com o agravante de ter seu maior patrimônio (que é o próprio prédio) dilapidado pela ação devastadora do tempo e do troglodita Espetáculo de Luz e Som (àquele que fazia a apologia do regime militar)…

03. Diante da difícil tarefa, o professor começou convocando todas as forças vivas que poderiam cerrar fileiras em prol do símbolo maior de nossa História. Revelou-se único — e imbatível — nesta função de agregar os diversos segmentos da sociedade. Foram chamadas as entidades do bairro, o seleto grupo de professores da USP, intelectuais de todos os matizes, a iniciativa privada, ministros e secretários de Estado e todos aqueles que quisessem — ou mesmo se dispusessem — ajudar. E o Museu Paulista viveu em três anos a maior reforma de sua centenária história, orçada inicialmente em 2 milhões de dólares…

04. Cabe aqui explicar o verdadeiro estado do Museu do Ipiranga em 94. Era tal a precariedade de suas instalações que a torre da ala direita corria o risco de desabar, afetada que estava por infiltrações de água e rachaduras. Quando do tal Luz e Som, foram pregados holofotes e gigantescas caixas de som sobre o prédio que afetaram algumas estruturas e provocaram um estrago considerável. Um estrago tido e havido, até àquela altura do campeonato, como irrecuperável…

05. Nós, do Ipiranga — e falo em nome de Dissei, professor Osmar, Laerte, Guilherme, Dr. Eduardo, Abdallah, Toninho Santo, Yamada e outros tantos que acompanharam esse trabalho extraordinário –, logo percebemos que estávamos diante de um líder de raro poder aglutinador e, principalmente, empreendedor. Alguém que ia além das palavras. Transformava a realidade. Fez valer o sonho. E o Museu do Ipiranga vive hoje um de seus momentos de maior relevância — é o segundo museu mais visitado do País (250 mil pessoas/ano), só perdendo para o de Petrópolis no Rio de Janeiro…

06. Quem sabe faz a hora. O professor Witter parafraseou o poeta na noite de segunda-feira quando agradeceu a singela — mas, justíssima — homenagem que lhe ofereceram lideranças locais. O professor soube fazer também sua hora de sair. Por uma dessas mixórdias pseudamente administrativas do governo FHC, Witter precisou se aposentar da USP após quatro décadas de dedicação e trabalho. Perdeu a universidade, perdeu o Museu, perdemos todos nós… O olhar mais alongado do mestre espreita agora novos desafios…

07. Saberá vencê-los, não tenho dúvidas. Assim como não duvido que, quando as luzes se acenderam pela primeira vez, na inesquecível noite de quinta-feira, e a silhueta imponente do Museu se projetou aos olhos de todos os deslumbres, o menino Witter olhava para dentro da alma e saboreava o doce prazer dos que sabem fazer a hora acontecer…