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Os cantores

Depois de tantos dias tristes e acinzentados, nada como abrir a janela e ver o sol. Desço para a rua a cantarolar uma velha canção do Roberto e só me dou conta do estranhamento que causo às pessoas quando ouço o bom dia do Ari, o porteiro do turno da manhã do prédio onde moro:

— O senhor está feliz hoje, hein!

“E o Palmeiras nem jogou ainda”, respondo algo sem jeito e já a refletir com meus botões o quanto o mundo mudou desde os meus tempos de garoto no Cambuci.

Era comum ver os homens a assobiar e cantar, fosse onde fosse.

Havia um senhor calvo, de nome Garófalo, que todas as tardes passava por nós a cantar o sucesso de Nélson Gonçalves.

“A deusa da minha rua
Tem os olhos cor da lua.”

Interrompíamos o futebol na calçada para vê-lo desfilar.

Paletó sobre os ombros, chapéu caprichosamente arrumado na cabeça deixando a testa à mostra, ele voltava do trabalho e nos agradecia a paralisação da pelada com um breve meneio de cabeça. E seguia impávido para o que então chamávamos de “lar doce lar”.

Meu tio Toninho também era fã de Nélson Gonçalves. Fazia pose de artista para cantar “Boemia”, o maior hit do cantor. O Waltão, meu cunhado, conquistou minha irmã, a Rosa, com voz empostada e repertório de Orlando Silva.

“Tu és, divina e graciosa, estátua majestosa do amor
Por Deus esculturada e formada com ardor
Da alma da mais linda flor de mais ativo olor
Que na vida é preferida pelo beija-flor.”

O vô Carlito misturava Beniamino Gigli e Caruso a Joubert de Carvalho (“De papo pro Ar”) e Cátulo de Paula (“Luar do Sertão”). O Neno, meu tio solteirão, gostava de música espanhola. Se bem me lembro até arriscava um passo-doblé. Olé!

O pai, não. O pai não era de cantar. Era do tipo caladão, mas a tudo admirava com brilho nos olhos. Olhos que, aliás, ficavam cheio d’água toda vez que ouvia “Besame Mucho”.

FOTO no Blog: Jô Rabelo