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Os dois lados da janela

"Tem muito tempo aquele que não o perde" (Fontenelle)

01. Escrevo-lhe um dia antes do aniversário de São Paulo, nesta manhã abafada, e com jeito de chuva de quarta-feira. Quando essas mal traçadas chegarem até você na sexta, o rei Roberto Carlos, primeiro e único, estará remoendo as emoções do show que apresentou ontem, quinta, no Parque do Ibirapuera para milhões de pessoas — isto tudo, se não chover, se o grande palco ficar pronto, se as exigências do Rei forem cumpridas à risca, se um imprevisto qualquer não cancelar o esperado espetáculo. Vida de cronista é assim, nem dá para reclamar. Sempre tentamos explicar o mundo através de um olhar mais alongado e a partir deste modesto posto de observação: o também quatrocentão bairro do Ipiranga.

02. Certa vez, numa entrevista coletiva, o compositor baiano, Caetano Veloso, chamou atenção dos repórteres para os dois lados da janela. Faz algum — muito — tempo isso. Depois, ouvi a referência na canção Trem das Cores que o autor dedicou à Sônia Braga. Belíssima a imagem que Caetano faz do passageiro que vê a paisagem através da janela do trem e é capaz de entender que o próprio trem altera e muda essa paisagem quando corta o horizonte, com seus meneios e apitos.

03. A vida, por mais que tentamos entender sua plenitude, também é assim. Efêmera, transcendental, relativa. Ainda na quinta-feira da semana passada, após o fechamento de GI, estávamos na Redação com os olhos e corações atentos à partida final da Copa João Havelange. Como todo o Brasil, à exceção dos vascaínos, torcíamos pela vitória do Azulão do vizinho município de São Caetano. A surpresa apareceu após o jogo quando todos concluímos que, mesmo perdendo, o São Caetano venceu. E a festa na avenida Goiás e imediações comprovou que havia mesmo motivo de tristeza. Comemorar a derrota, como se explica? Comemorou-se ali a dignidade com que os sancaetanenses cumpriram a belíssima jornada que ora se encerrava. A interpretação do fato, sob uma ótica dos passos que foram dados e das conquistas acumuladas ao longo do ano 2000, superou a própria realidade. Àquela altura da contenda, o título de campeão era apenas uma formalidade. Mais importante, para o São Caetano — e na vida, para todos nós, é estar em paz consigo mesmo.

04. Um exemplo dignificante: o governador Mário Covas, mesmo afastado do cargo pelos motivos que todos sabem, prefere continuar vistoriando obras do que largar-se na cama a lamentar os infortúnios (que não poucos) da malsinada doença. Nesta semana, o governador foi de helicóptero até São Vicente para inaugurar um conjunto habitacional, originário da urbanização de uma favela. Aliás, Covas considera esse tipo de obra prioridade das prioridades.

05. Com o semblante exaurido pelo sofrimento, mas sereno e com a tranqüilidade que lhe é possível, o governador respondeu única e exclusivamente sobre aquele seu momento: estou bem, muito bem. Muito bem mesmo. Melhor do que ontem, do que anteontem, do que trasanteontem… Mas, pior do que há algum tempo. O governador riu, com a leveza de um garoto que acaba de fazer uma graça. E os repórteres entenderam que estavam diante de um bravo guerreiro, esses raros seres capazes de entender que a missão é maior do que o homem.

06. Tomara, tenham entendido também que a vida é isso, e apenas isso: uma graça!