Foto: Arquivo Pessoal
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Lá vem o Brasil descendo a ladeira…
Vem atrás de uma carriola de madeira onde se avolumam diversos tipos de verduras para vender na “vila de São José do Barreiro”.
A propósito, esclareço que a ladeira não passa mesmo de uma estradinha de terra batida que une a pequena cidade às maravilhas da Serra da Bocaina, com cachoeiras, rios, vales, montanhas, resquícios da fauna e flora da Mata Atlântica que resiste à ação do homem e do tempo.
Parece-me feliz este Brasil aqui representado pela senhora, de idade incerta e não sabida, trajes simples e sorriso que lhe estampa o rosto ao me dar o costumeiro “bom dia”.
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Costumo fazer brevíssimas caminhadas por aqueles recantos. Nada além de umas centenas de metros.
Por favor, não me entendam como atleta que fui e não sou mais.
Vale mais para exercitar a mente e dar uma leve movimentada no corpo.
De resto, o importante é espairecer, deixar o pensamento solto; quase uma reverência às tantas graças recebidas – inclusive, a de estar ali.
Assim nos tornamos conhecidos, eu e a senhora que vende verduras e que, no ritmo dos próprios passos, parece entoar baixinho um intermitente mantra.
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Numa dessas manhãs, tomo coragem e pergunto à senhorinha que cantilena é aquela que, todos os dias, repete num quase sussurrar.
– Não é música, não, senhor. É uma reza para santa Rita de Cássia que é de minha devoção.
Fico curioso.
Ela então me pergunta se conheço a imagem de Santa Rita que está na matriz da cidade.
– Vixi, que coisa mais bonita, moço. Minha fé nasceu dela. Rezo pela santinha na ida e na volta. Faz companhia pra minha solidão. Se encontro a igreja aberta, vou lá e peço a bênção antes de voltar pro meu ranchinho lá pras ribanceiras da Bocaina.
– Sabe, moço, pedir a gente pede, pois está sempre precisando de uma coisinha aqui, outra ali. Mas, saber agradecer é que é uma maravilha, viu?
Uia!
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Deixei a senhorinha seguir pra sua lida – e ainda fiquei um tanto por ali, à sombra de um frondoso Cambuí com a copa coberta de flores amarelas. Penso sobre o que disse a mulher.
Tanta gente com tanto – e não reconhece e não agradece. Acha pouco até, justo e necessário.
Ela, não. Humilde, faz muito do que para uns seria pouco, quase nada.
Vive aparentemente feliz consigo mesmo – o que é uma dádiva.
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No meio da tarde, não resisto – e vou até a igreja. Lembro ter visto a imagem de Santa Rita, mas, confesso, não lhe dei a merecida atenção.
É uma Rita de Cássia diferente. Muito bonita mesmo. Veste um hábito marrom com fios dourados, traz em uma das mãos o crucifixo e tem o semblante sereno, de quem preza por nós.
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Fico encantado.
Tento fotografar a imagem, mas o vidro que a protege (a obra deve ser do tempo da fundação da cidade, meados do século 19) não lhe dá a nitidez devida.
Entendo o recado.
Para quem quiser vê-la e venerá-la, é preciso estar ali em paz com o mundo e consigo mesmo.
O que, convenhamos, também é uma dádiva…
VERONICA PATRICIA ARAVENA CORTES
17, janeiro, 2020Lindo!