Sign up with your email address to be the first to know about new products, VIP offers, blog features & more.

Serra da Bocaina – Na trilha de um velho paraíso

Para os escravos fugidos, era um caminho para o céu. Para os tropeiros do século 17, a melhor rota para o Rio. Hoje, a Trilha do Ouro, na Serra da Bocaina, virou o paraíso de ecoturistas e aventureiros

Havia uma pedra no meio do caminho. Uma só, não. Muitas. Aliás, o caminho surpreenderia o mais inspirado dos poetas. E é todo ele calçado por pedras irregulares, de diversos tamanhos e formas. Foram justapostas, uma ao lado da outra, no final do século 18, pelos escravos que as retiraram do fundo do rio Mambucaba. Para assentá-las, reza a lenda, os negros usaram óleo de baleia. Haja baleia! A rota tem aproximadamente 30 quilômetros de extensão e serpenteia todo o Parque Nacional da Serra da Bocaina, na divisa dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, lá nos confins do Vale do Paraíba, entre os magníficos cenários das serras da Mantiqueira e do Mar.

Quase me esquecia de dizer: o caminho tem nome. Vários: Estrada da Cesaréia (nome de uma fortaleza de pedras construída por Herodes no Mediterrâneo) ou Estrada da Independência (como a conhece o secretário estadual de Recuperação dos Bens Culturais, Emanuel Von Lauenstein Massarani) ou Trilha dos Mineiros. A denominação em moda, porém, é Trilha do Ouro.

Não se surpreenda com a palavra ‘moda’. Pois o caminho, ainda hoje, é usado, como nos tempos coloniais, para transporte em mulas de todo tipo de mercadoria, principalmente alimentos. Só que, agora, os animais carregam as coloridas mochilas dos trilheiros que descobriram o parque e a trilha como ponto de referência para aventuras radicais – vôos de asa delta, rapel, trekkings – ou para um cada vez mais atual contato com a natureza.

Só na semana do Carnaval, havia umas 600 pessoas pela serra. “A maioria atraída pelas maravilhas da Trilha do Ouro”, diz José Milton de Magalhães Serafim, dono de uma agência de turismo na pequena São José do Barreiro que, pelo menos duas vezes por mês, leva grupos de 16 a 20 turistas para o desafio da Trilha.

O próprio Zé Milton diz que sua história de vida foi inteiramente baseada no fato de ter crescido no meio das matas e cachoeiras da Bocaina. Desde que se entende por gente freqüenta o sítio dos avós na serra – e de lá fazia ponto de partida para diversas excursões pelos mais escondidos grotões do lugar. Já adulto, em 1991, participou do projeto Caminhanças, que pretendia identificar e cadastrar os locais com potencial de ecoturismo da região. O projeto era financiado pela organização norte-americana Ashoka e tinha como coordenador o professor José Antônio Bachin.

“A idéia era lançar um Guia de Trilhas Brasileiras por ocasião da ECO 92 realizada no Rio”, explica. “Mas, para mim, o mais importante foi a confirmação de que a Bocaina é mesmo um patrimônio da humanidade e que merece ser preservado para as futuras gerações”.

A Trilha do Ouro é outro dos entusiasmos de Zé Milton, que sabe sua história de cor. Começa na nascente do rio Mambucaba, no ponto mais alto da serra, e segue em direção ao litoral sul do Rio. Há histórias e estórias sobre a trilha. Todas têm um fundo de verdade, diz o guia.

Sua origem parece ser mesmo das picadas que os indígenas abriam na floresta quando saíam para pescar. Pelo início do século 17, tropeiros vindos de Minas Gerais fizeram desse caminho sua rota de comércio. Desciam a serra carregados de ouro e pedras preciosas para serem embarcados nos portos de Mambucaba e Parati, e subiam com peixe seco, cachaça, farinha e outros mantimentos que eram comercializados no percurso de volta a Minas.

Desse período, surge a versão que, depois dos nativos, os primeiros que percorreram a trilha foram os tropeiros que levavam ouro não-quintado pelo fisco português. Por ser de difícil acesso, e com várias travessias de rios que se transformavam em verdadeiros atoleiros, as caravanas driblavam as patrulhas e as barreiras (precursoras dos pedágios) e chegavam ao Litoral.

“Navios de diversas bandeiras esperavam os carregamentos de ouro contrabandeado nos portos de Parati e Mambucaba”, esclarece a historiadora Kátia Maria Abud, da Univeridade de São Paulo. A rota sobreviveu ao fim do ciclo do ouro, pois então começou o ciclo do café nesta região do Vale do Paraíba – e a trilha ganhou importância como principal rota comercial entre Rio e São Paulo. Imponentes fazendas se espalhavam pela região e, como o movimento de tropeiros cresceu, agora em virtude do café, trechos do rio se tornaram intransitáveis para mulas e cavalos.

Em alguns trechos da serra, chove em média 300 dias por ano, o que dificulta o tráfego de mercadorias. Como os ricos fazendeiros possuíam levas e levas de escravos, é fácil concluir que o calçamento pode, muito bem, ter sido conseqüência desse período de apogeu e exageros.

“Foram anos de opulência e fartura para municípios como Bananal, Arapeí, São José do Barreiro, Areias, Roseiras e Queluz”, assegura o secretário Massarani.
Grandes fazendas, sobrados e casarões ainda hoje são marcos desse primeiro momento da cafeicultura no País. Tempo dos barões, dos condes das cartolas e casacas.

Mas não só os aspectos históricos atraem os ecoturistas. A Trilha do Ouro está situada no Parque Nacional da Bocaina, com 110 mil hectares de Mata Atlântica, fauna e flora exuberantes. A paisagem natural reúne desde uma enseada com praias arenosas (praias do Cachadaço e do Meio), uma ilha oceânica (da Tesoura na região de Trindade), despenhadeiros, grotões e vales profundos, a campos de altitudes superiores a 1.800 metros. O mais alto é o pico do Tira o Chapéu, com 2.088m, na divisa dos municípios de São José do Barreiro e Areias. Há muitos rios (a principal bacia é a do Mambucaba, afluente do Paraíba), que formam belíssimas cachoeiras de águas frias e cristalinas.

Só para se chegar ao começo da trilha passa-se por três exemplares de quedas d’água: a de Santo Izidro (com mais de 80 metros), das Marrecas e das Posses. No segundo dia da trilha (que é feita a pé ou a cavalo), encontra-se a mais imponente cachoeira, a dos Veados, com 120 metros de altura divididos em três tombos de rara beleza.

“Os turistas deslumbram-se com as manchas de pinheiros-do-Paraná e do pinheiro bravo que dominam os campos nativos”, diz José Inácio Junior, o Zé Pescocinho, que nasceu nos Campos de Bocaina e é profundo conhecedor da região. Desde 1971, ele faz o trajeto de São José do Barreiro à Bocaina levando turistas, bocaneiros (como são chamados os habitantes do parque) e cargas, as mais variadas.

De início, Pescocinho subia num velho Jeep a esburacada estrada de terra, onde só veículos tração 4×4 transitam com facilidade. Mas depois adquiriu um velho Fuscão, e virou atração especial do caminho. Em sete dias, já chegou a percorrer 11 vezes o trajeto de ida e volta até a Bocaina. “Ninguém acredita que eu faço o que faço com o meu carrinho. Vou aonde essas camionetas modernas não chegam. Quando tem muito barro, enrosco umas correntes nas rodas do ‘bichão’ e vou em frente. Os moços da cidade adoram”.

Pescocinho defende que a mata tem muita madeira nobre que precisa ser preservada. São as chamadas madeiras-de-lei, como canelas parda, preta e amarela, guatambu, louro, sucupira, imbuia, cedro e o jequitibá, só para dizer algumas. Por toda a trilha vislumbram-se várias espécies de micro-orquídeas e bromélias. “Quando dá a florada, isso fica parecendo o paraíso”, encanta-se ainda hoje.

Tanto para Pescocinho quanto para Zé Milton, o turismo, longe de ser um mal, está beneficiando o Parque Nacional da Bocaina e chama a atenção das autoridades para a necessidade de uma política de efetiva conservação do local. O Ibama tem um posto de fiscalização na estrada que sai de São José do Barreiro. Mas as saídas para o lado de Arapeí e do Rio estão inteiramente desprotegidas. Até os bocaneiros reclamam dessa falha.

“Quem vem para cá não tem o espírito predador”, afirma Zé Milton. “Venham de onde vierem – e vem gente de toda parte do mundo -, sabem que o parque, as cachoeiras, a trilha são, na verdade, uma bênção de Deus. Melhor ainda: eles estão promovendo uma perfeita integração com os caboclos que ficam mais conscientes, e já evitam de fazer queimadas e outros desmatamentos descomunais”.

Como o Parque não tem infra-estrutura, muitas das 60 famílias que vivem no local acabam dando pousada e alimentação para os turistas. “É uma coisa ainda rudimentar”, diz o guia. “Mas que está garantindo uma renda extra. É uma ajuda e tanto, ainda mais que alguns alugam suas mulas para fazer a travessia da trilha levando mochilas, barracas e outras tralhas do pessoal”.

O trajeto da Trilha do Ouro pode ser feito em dois dias, mas as agências de turismo locais optam pelo passeio de três dias. Para quem se aventurar por conta própria, a rota possui áreas para camping selvagem. Mas o Ibama precisa dar autorização com antecedência para o visitante.

Explica-se o cuidado. Não só a Reserva de Mata Atlântica está ameaçada: há várias espécies de animais em extinção. A lista é considerável: suçuarana, mono-carvoeiro, jaguatirica, sagui-da-serra-escuro, gato do mato, tiriba, lontra, tamanduá-bandeira, macuco, gavião de penacho, gavião-pega-macaco, jacutinga, gavião-real, papagaio-de-peito-roxo, sabiá-cica, entre outros.

É preciso também fiscalizar a caça e a pesca – e ultimamente ganhou destaque a ação dos palmiteiros que estão agindo indiscriminadamente e dando fim à palmeira juçara, uma das plantas nativas que não se desenvolve sob cultivo planejado.

“Às vezes, o pessoal do Ibama até acha ruim com a gente, de tanto que os turistas reclamam”, diz um dos guias do local que preferiu não se identificar. É que lá em cima eles topam com caçadores e palmiteiros ou com alguma clareira nova no meio da mata, e ficam indignados. As autoridades precisam olhar para o parque com mais atenção. Afinal, bocaina quer dizer caminhos para os céus”.

Uma das tantas histórias da trilha atribui aos negros fugidos das fazendas a denominação do lugar. Quando havia nuvens, não era possível enxergar o alto das montanhas, onde por vezes, de tanto frio, chegava até a nevar. Eles imaginavam que lá em cima pisariam em nuvens e encontrariam a liberdade, o paraíso. E, decididamente, em tempo nenhum, liberdade e paraíso combinam com destruição.

MAIS DO QUE UMA TRILHA, UM PEDAÇO DE NOSSA HISTÓRIA

Para o secretário estadual de Recuperação de Bens Culturais, a Trilha do Ouro – ou Estrada da Independência, como ele a chama, precisa ser preservada e está incluída no programa de sua pasta

A Trilha do Ouro está incluída no programa de preservação da Secretaria Estadual de Recuperação dos Bens Culturais. A informação é do secretário Emannuel Von Lauenstain Massarani, que a chama de Estrada da Independência porque foi por esse caminho que a comitiva do príncipe D. Pedro de Alcântara passou quando, a caminho de Santos, proclamou a Independência do Brasil no dia 7 de setembro de 1822. Inclusive, há documentos que comprovam que D. Pedro fez um pernoite na primeira, e mais poderosa, fazenda cafeeira da região, a Pau D’Alho.

“Essa belíssima fazenda existe ainda hoje nos arredores de São José do Barreiro e pertence à Universidade de São Paulo”, revela o secretário. “Recentemente o local passou por uma reforma parcial. Mas, pelo que representa em termos de História, mereceria uma atenção redobrada. O patrimônio, porém, está sob guarda da União e nada podemos fazer, embora haja aqui na Secretaria o plano de transformá-la no Museu Nacional do Café”.

Contam os registros históricos que D. Pedro e sua trupe chegaram ao arraial de São José, sob intensa chuva, na tarde do dia 17 de agosto. Foram recepcionados num trecho ao pé da Serra, junto às margens do rio Santo Antônio, pelo coronel João Ferreira que ofereceu sua fazenda para pouso e troca de animais. Na manhã seguinte, o príncipe e a comitiva partiram e foram acompanhados até o município de Areias pelo coronel e o filho mais velho.

Massarani diz que a Secretaria está empenhada em realizar um grande levantamento dos bens históricos e culturais da região do Vale. Para tanto, fechou convênio com universidades locais e aproximadamente 50 estagiários já estão em campo para pesquisa de toda a área que inclui, só no Estado de São Paulo, as cidades de Roseiras, Areias, São José do Barreiro, Arapeí e Bananal.

Estrada da Independência ou Trilha do Ouro, tenha o nome que tiver, é certo que esse pedaço da História do Brasil precisa ser preservado – e, principalmente, valorizado como um legítimo bem da nossa cultura, conclui o secretário Massarani.

OOS ANFITRIÕES DA SERRA DA BOCAINA

Os bocaneiros que moram no Parque Nacional têm recebido os turistas e não vêem outro modo de vida. Aqui, o depoimento de Sebastião de Lima

“Minha família está aqui antes da terra virar parque”. É assim que Sebastião Henrique de Lima, o Tião das Mulas, de 32 anos, começa a contar sua história e um pouco da história do Parque Nacional da Bocaina, onde mora desde que nasceu. Além de agricultor, Tião acomoda grupo de turistas em sua casa de paredes varadas à beira do rio Mambucaba e candeia as mulas carregadas de mochilas até o fim da trilha. Ele se surpreende com as moças quando vêem os animais carregados para as quase quatro horas de trajeto.

“Tadinhas das mulas, elas dizem. Mas não sei o porquê. Os bichos estão acostumados. Em mim, é que ninguém põe arrepara.”

Aqui, o seu depoimento.

“Não tenho estudo, não, moço. Como vou viver fora daqui? Foi meu avô, que ainda hoje é vivo e tem 77 anos, quem ajudou a erguer a Fazenda Central. Meus pais nasceram aqui, como eu e meus irmãos. Como meus filhos.

Não tem como sair daqui, não. Para onde vou? São José (do Barreiro)? São Paulo?

Não temos nada a fazer por lá. Sempre fomos do roçado, da criação. Não entendo os homens do Ibama – pensam que nós vamos destruir tudo: sujar a água dos rios, derrubar as árvores, acabar com o palmito… Nós que vivemos aqui, e só sabemos viver do que essa terra nos dá. Não tem cabimento.

Eles ficam bravos, falam que não pode isso, não pode aquilo. E cascam multas na gente. Não pode nem arar a terra que eles chegam mandando desfazer o que a gente fez.

Eu mesmo, só porque levantei minha casinha lá pelos lados do Vale dos Pinos, já levei 11 multas. Quando fiz a cozinha deram uma de R$ 2 mil. Depois aumentei os cômodos, veio outra de R$ 5 mil. Imagina se tenho como pagar essas danadas? Nem penso nisso.

O moço advogado disse que tenho direito de ficar aqui. Minha família está aqui antes das terras virarem parque. Então, podemos ficar e pronto. Para ser sincero, somos os primeiros a querer preservar a mata. Só plantamos o que é para a gente comer – e para alguma troca. A gente também faz um queijo e cuida do gado. É pouco, mas dá para ir levando. Nada que possa prejudicar o local onde a gente vive e onde os filhos da gente vão viver. Ainda mais agora que estamos dando pouso e alimento para os turistas, a gente quer manter tudo nos conformes. É um dinheirinho a mais que entra.

Até minha mulher Estelina gostou. Não se importa de cozinhar para esse punhado de gente. A casa fica movimentada. Acaba com o nosso isolamento – e, de quebra, dá para pensar melhor na vida. Não é muito, mas ajuda. Aos poucos, vamos levantando a casa, melhorando o jeito de viver… Temos que pensar num jeito dos filhos terem uma vida melhor do que essa que vivemos.

CAUSOS E LENDAS, DE GERAÇÃO A GERAÇÃO

Da mesma forma que guarda alguns capítulos importantes da História do Brasil, a Serra da Bocaina é rica em estórias e mistérios

A História está sempre em construção. São tão importantes os documentos que comprovam os fatos quanto a memória preservada de geração em geração pelo relato dos caminheiros e viajantes. Os caminhos de pedra e água da Serra da Bocaina (o rio Mambucaba se insinua por toda a segunda parte da trilha) são igualmente ricos em histórias e que histórias…

Quem chega à clareira que antecede o estuário do rio vem sempre com uma novidade para contar aos mais incrédulos. Há quem se divirta em aumentar um ponto ao contar um conto. E há quem se impressiona com os mistérios seculares que ocultam as ladeiras da Trilha do Ouro.

Conta-se que, há muitos e muitos anos, mais de 200, uma numerosa caravana de caçadores, vinda dos centros de Minas, embrenhou-se mata adentro atrás de suas presas. Alguns ficaram nas cabeceiras da Serra da Bocaina, atrás das pegadas de uma enorme onça predadora.

A noite chegou e o grupo reuniu-se ao redor da fogueira para jantar, contar prosas e proezas e engendrar as caçadas do dia seguinte. Um negro escravo, meio idoso, camarada e companheiro, vigia do acampamento, queixou-se do frio que passara na noite anterior.

“Deus me acuda…Eu voumembora se esse frio continuar. Ah! eu voumembora…”, dizia ele.

O chefe do caçadores apiedou-se do vigia e pediu que lhe dessem um couro de boi para protegê-lo. O escravo enrolou-se como pôde, deitou-se no chão, e não deixou sequer a cabeça ao relento.

Lá pelas tantas, quando todos dormiam pesadamente e o fogo já se apagara, entrou no rancho a destemida e, num salto só, arrebatou o escravo com couro e tudo. Saiu do acampamento como entrou, sem que ninguém percebesse.

Antes do amanhecer, porém, todos despertaram com gritos pungentes que vinham dos confins da mata: “Deus me acuda… Que eu vou me embora… Ah! eu vou me embora…”

Logo notaram a ausência do amigo e vigia, e se deram conta da tragédia. Ainda sonolentos e desorientados, deixaram o malsinado lugar, partindo de volta para Minas. Nunca mais voltaram. Em noites escuras e chuvosas, dizem os viajantes, ainda hoje se pode ouvir o lamento: “Ah! eu vou me embora. Deus me acuda…Que eu vou me embora…”

A PEDRA
Foram os taubateanos que descobriram ouro nas Minas Gerais. Foi o cozinheiro de uma dessas expedições que, ao lavar panelas na beira de um rio, encontrou uma pedra preta, mais resistente que a malacaxeta. Raspou com a unha e viu o cintilar do ouro. Daí em diante foi uma danação.

A serra ficou apinhada de gente e até o pároco de Pindamonhangaba largou a batina e caiu no mundo atrás do vil metal. Verdade verdadeira. O nome do padre era João Faria. Ninguém sabe se enricou ou não. O túmulo dele é lá em Cunha. E o local onde o cozinheiro descobriu a pedra preta recebeu o nome que ostenta ainda hoje: Ouro Preto.

MACETE DA FONSECA
O marechal Hermes da Fonseca, quando presidente da República, também andou pelos campos da Bocaina. Fora convidado pelo coronel João Ayrosa para caçar e hospedar-se na invernada do Lajeado.

O presidente lá chegou e, nos dias que ali ficou, teve a acompanhá-lo um sertanejo de nome Cesário que lhe serviu de guia pelas veredas da serra. Era um caboclo falante, de muitas histórias de caçadas, algumas invencionices e outros tantos abusos. Tanto que logo passou a chamar o presidente pelo apelido de Macete.

De alma pura, o caboclo chorou quando se despediu do presidente. Também comovido, o marechal convidou Cesário para visitá-lo, um dia, no Palácio do Catete e ainda prometeu-lhe uma espingarda nova.

Eis que, meses depois, um dia, uma breve confusão na portaria do Catete chama a atenção do presidente, que interrompe seus despachos para saber o que está acontecendo. Um de seus estafetas informa que há um caboclo maluco, prestes a ser preso, porque insiste em falar com um tal de Macete.

O presidente logo soube quem viera lhe visitar. Abraçou Cesário como se fossem velhos amigos e, na impossibilidade de lhe fazer companhia pelas obrigações do cargo, providenciou carro e chofer com a incumbência de lhe mostrar os encantos da Cidade Maravilhosa. Depois, o motorista tinha ordem de levar Cesário à Estação para que pudesse retornar à Bocaina.

No final do expediente, outra esparrela na portaria. O presidente fica injuriado e vai pessoalmente ver o que é desta feita. Lá encontra, no meio da guarda, o amigo Cesário que, ao vê-lo, apressa-se em tranqüilizá-lo. “Macete, cansei da balbúrdia da cidade. Gosto mesmo é do meu sertão. Só voltei para buscar minha espingarda nova. Afinal, não podia ir embora e fazer essa desfeita pro amigo”.

Cesário voltou de espingarda nova para a Bocaina. E os dois nunca mais se viram. Dizem que para sorte do Macete, ou melhor do presidente…

Matéria publicada no Jornal da Tarde

[O texto também faz parte do livro “Volteios – Crônicas, lembranças e devaneios”]