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Sol no rosto

Vieira vai casar.

Foi ele próprio que me disse hoje pela manhã.

Preferi não entrar em detalhes.

Tenho meus motivos.

Vou contá-los ao lembrar uma antiga história.

Tinha uma viagem marcada para Natal, onde fugiria da lida e passaria uma semana na paz, entre dunas e praias e sol e mar.

O voo saía por volta das 13 horas em Congonhas. Havia tempo, pois, para fazer a barba e aparar o cavanhaque, coisa que faço, ao menos uma vez por semana, no amigo Vieira, cearense falador, que sonha em ser radialista, mas vive do que lhe rendem o pente, a tesoura e agora as terríveis máquinas elétricas.

Assim que cheguei o homem estava terminando de ajeitar o salão para a lida daquele sábado. Que, aliás, é um dia bastante concorrido nos salões. O movimento é maior e Vieira, doublé de barbeiro e locutor, costuma estar mais prosa do que o habitual.

Naquela manhã, porém, eu o achei macambúzio, triste, “desenxabido”, como ele mesmo me confessou. Não precisei perguntar para que me dissesse sobre o motivo de tamanho desalento. Nanda, a oriental com quem vivia e era feliz, acabara de partir para a distante Malásia, sua terra de origem, “longe muito longe”.

Vieira falava e olhava para o relógio na parede. Implacável no passar das horas e no aumentar o tal “longe muito longe”:

— Partiu ontem à noite. Agora deve estar chegando a Paris. Faz conexão com…

Ele sabia timtim por timtim os passos da amada distante até a “longe muito longe” Malásia. Por isso, olhava sistematicamente para o relógio.

— De Paris, ela pega um voo para Frankfurt, na Alemanha, e…

Pelo arrastar da conversa – quer dizer do monólogo porque Vieira alterava a navalha à máquina zero no meu rosto –, logo deduzi que a viagem era de ida sem volta. E, por mais que ele disfarçasse, já deveria ter se dado conta disso.

Era o fim.

Mas, não seria eu a dizê-lo.

Aliás, notei a perplexidade da criatura assim olhou meu rosto, depois de consultar pela milésima vez o inefável caminhar dos ponteiros.

Desconfiei que ele próprio se dera conta do adeus.

Resolvi consolá-lo:

— Não fique assim, Vieira? O mundo não vai acabar porque…

Não terminei a frase. Foi a vez de ele me surpreender:

— O mundo, não. Mas, o seu cavanhaque, sim.

— Como assim?

— Olhei para o relógio e… raspei o seu cavanhaque.

Não tive alternativa. Perdoei o Vieira. Precisava mesmo tomar um sol no rosto.

(…)

Isso aconteceu há cinco ou seis anos. Óbvio que a Nanda não voltou. Às vezes, ele começava a falar dela; eu cortava o assunto, de primeira. Bastava lembrá-lo da vez que fez o escalpe do meu cavanhaque.

Hoje, ele estava entusiasmado com o novo amor, a Bruna.

Preferi não entrar em detalhes.

Tenho meus motivos.