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Try a little tenderness

"…Ú shimaibe uili
A iu son tu go ui file… "

Entenderam? Nem eu…

Aliás, naquela heróica redação, ninguém compreendia o que o moço, fotógrafo dos bons, cantarolava diariamente, todos os dias…

Perdoem o ruído dissonante da redundância.

Mas, aqui, se faz imprescindível. Quero que tenham uma vaga idéia do sofrimento que era ouvi-lo todos os dias, diariamente. A história só faz sentido se os meus caríssimos cinco leitores avaliarem o que aturamos ali, naquelas semanas – sim, porque foram semanas intermináveis; meses talvez.

Para piorar, nem os mais versados no idioma do Tio Sam conseguiam traduzir, no quase relinchar do amigo, uma remota possibilidade de algo compreensível e de boa prosa. Provavelmente, o próprio rapaz pouco se dava com o que queria dizer a onomatopéia supracitada.

— Bem se vê que vocês não entendem nada de um clássico da música americana – respondia sempre que alguém ‘educadamente’ o mandava calar a boca e parar com aquela sessão de implacável tortura.

Alguns ameaçaram pedir demissão por insalubridade ou reivindicavam adicional por risco de enlouquecimento.

Não estavam, de todo, sem razão, convenhamos.

II.

Numa certa manhã, sem que ele soubesse, destacamos um dos nossos para a secreta incumbência de descobrir causa e conseqüência daquela compulsão estranha e quase esquizofrênica. Explicar o inexplicável era a tarefa. E lá se foi um especialista na tal corrente do jornalismo investigativo à caça do segredo do nosso cantante injuriado.

Por que tanta estratégia?

Pensem bem. Pensem comigo: se um repórter-fotográfico incomoda muito a gente (nas redações), um repórter-fotográfico cantante incomoda bem mais.

Concordam?

Não? Um dia explico.

Continuemos com a nossa historia…

III.

Não foi necessário muito tempo para que descobrissemos o óbvio. Tinha mulher na jogada.

Como não imaginamos?

Causa e conseqüência, mais do que simples. Toda vez que o moço via a exuberância da menina revisora, recém-chegada de uma pequena cidade interiorana, sentia reverberar a alma no embalo do tal pungente clássico da soul music.

Outro mistério que esclareceu o nosso filhote de ‘Percival de Souza’. Chamava-se Try a Little Tenderness a canção que ele teimava em balbuciar. Sequer chegou a ser um grande sucesso em plagas brasileiras. Foi escrita em 1933 por Jimmy Campbell e teve série de gravações, inclusive uma de Sinatra.

Estávamos na pista certa. Porém, é claro que todos aqueles uivos não poderiam ter saído do repertório do insuperável The Voice.

Explica-se.

Em meados dos anos 60, a música ganhou uma versão soul de Ottis Reading e depois uma leitura feérica de um grupo americano chamado Tree Dog Night, que era a versão preferida do rapaz.

Mesmo com tanta informação, não podíamos comemorar. Ainda…

IV.

Não vou citar nomes porque não quero confusão por aqui. Somos um blog de paz e amor – aliás, como bem provam relatos anteriores. Mas, tenho que dizer: a caipirinha era mesmo muito jeitosa. Linda. E melhorava a cada dia…

Quanto a canção, desconfio que nem o próprio sabia porque insistia em cantarolar para espanto dos outros funcionários. Mas, era automático. Bastava olhar a moça, de relance que fosse, e pintava aquela zonzeira. Tinha ímpetos de imitar o esganiçado vocalista do Tree Dog Night e, enrolando a língua, lhe implorar um breve gesto de ternura, um sorriso que fosse. Que, aliás, nunca acontecia…

Que tristeza. E tome uívos em nossos ouvidos…

V.

Um dia, o flagramos triste, parado no meio daquela perigosa escada em caracol que unia a revisão à redação no mezanino. Ora cantarolava baixinho, ora parecia conversar consigo mesmo em voz alta. Não suspeitou que era observado.

— Caiu a ficha que ele é carta fora do baralho – alguém sussurou no grupo.

A cena era essa mesmo. Ele se dera conta que ela o transtornava — e não era coisa recente. A indiferença da moça, porém, recomendava prudência. Mas, o baticum do próprio coração insistia, enganoso e enganador

— Talvez seja só uma questão de jeito…

Tentou se convencer.

Por instantes, parecíamos estar vendo cenas do filme Don Juan di Marco. Uma alegoria romântica entre a realidade e a fantasia que torna os dias menos cinzas, menos iguais. Mas, foi só por alguns instantes.

Logo ficou desenxavido. Parece que a Senhora Razão viera ao seu encontro . Para conscientizá-lo ou jogá-lo escada abaixo. Em tom professoral colocava as coisas no devido lugar:

— Preste atenção, meu garoto. Você nem sabe o que se passa naquela cabecinha, de longos e finos cabelos castanhos (Viram? Até a Razão, apesar da sobriedade, se engraçara com ela). Se ela está em outra. É mais do que provável. É uma mulher bonita e tal.

E ponderou:

— Só não digo que não vai acontecer porque, você sabe, eu nunca digo nunca. Mas, veja, não há um indício qualquer de que o sim esteja próximo — insistia, com toda razão, a rouca voz da Razão.

* CONTINUA AMANHÃ…