Iracema, a que voou para a América, é mamãe de primeira viagem.
Espanta-se diante daquela garotinha faminta que acabara de gerar, dois dias antes.
Sente que finalmente descobrira o verdadeiro milagre da vida.
…
Com alguma impaciência, aguarda a alta da maternidade. Como qualquer pessoa, tem pressa em voltar para casa.
Retomar o cotidiano.
Dá-se conta que tem um novo tempo que se abre à sua frente.
Um tempo de luz, de bênçãos e… desafios.
…
Agradece aos Céus por tudo.
Só uma questão a incomoda – e lhe tira a paz.
Todos os hormônios que andavam a milhão a amparar a criação daquela vidinha encantada, agora, se acalmam e tratam de retomar o ritmo natural, o ritmo de antes.
O que a deixa, muitas vezes, confusa, insegura.
Pois não existe mais o tempo do “antes”.
Como será, pergunta-se.
…
Além do que a amamentação é sempre dolorida, difícil, com sangramentos.
A menina chora muito.
Iracema, mais ainda…
Está só – ela e a garota – em plagas distantes.
Não sabe bem o que fazer, a quem recorrer.
Faz uma oração silenciosa.
Mas, não se resigna.
…
Pensa no melhor para o bebê.
Decide.
Chama a enfermeira de plantão, e diz:
– Não estou conseguindo alimentar minha filha. Não quero que ela sofra, acabou de nascer. Por favor, providencie leite para ela, uma mamadeira. Eu desisto.
Iracema fecha os olhos, em pranto.
E reza baixinho.
…
A enfermeira sai – e volta, minutos depois. Sem o leite, com a criança. Também a acompanha outra enfermeira, com uniforme algo diferente, azulado, e com um jeito de quem já assistira àquela cena muitas e muitas vezes.
Dito e feito.
Enquanto, desnorteada, Iracema toma a criança no colo, a senhorinha chega-se próxima à cama, estende um dos braços sobre os ombros da jovem mamãe desesperada – e lhe diz com voz apaziguadora e firme:
– Minha filha, se algum dia tiver que desistir de algo, não o faça num dia ruim. As chances de se arrepender serão bem maiores. Não tire esse direito da sua filha e nem de você. Amamentar é um dom que lhe próxima do divino, uma graça. Tenha fé.
…
Iracema aceita o conselho.
A criança mama tranquilamente.
E assim é daí pra diante.
…
No dia seguinte, em paz consigo mesmo e com a vida que renascera, Iracema tem alta.
Antes de sair, porém, quer agradecer à senhora de jaleco azulado. Procura informar-se sobre ela, mas ninguém, ali, sabe lhe dizer quem é.
A própria enfermeira de plantão diz que estava sozinha quando lhe entregou o bebê para a mamada da tarde. Que também estranhou quando tudo se dera de forma tão tranquila e o tom azulado da luz dos raios de luz que entravam pela janela e iluminavam o quarto naqueles momentos.
…
“Foi a melhor coisa que fiz”, recorda-se ainda hoje.
– Mistério, eu lhe digo.
– Milagre, ela me corrige tantos e tantos anos depois.
clarice falasca
25, junho, 2019Lindo