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Um problema secular

"Suporta-se com muita paciência a dor no fígado alheio." (Machado de Assis)

Não esquece nunca quem já viveu, em algum triste dia, o drama das inundações. Vale para quem foi pego de surpresa pelo transbordamento de algum rio enquanto transitava por uma de nossas imprevisíveis marginais. Vale para quem vive em alguma região ribeirinha — essas que, nesta altura do campeonato, são chamadas pela autoridade de plantão como ponto crítico. Desde que cheguei à Redação de Gazeta do Ipiranga — e lá se vão quase três décadas, perdi as contas das vezes que saí a campo (ou melhor seria dizer, a mar aberto) para cobrir as muitas vezes trágicas histórias de quem tudo perdeu — inclusive entes queridos — pela fúria das águas e a imprevidência de quem deveria zelar por nós e pela região.

Também não consigo contabilizar as ocasiões em que ouvi das autoridades de plantão projetos mirabolantes (sempre adiados) e desculpas esfarrapadas para as cheias que a cada ano se repetem, com maior ou menor intensidade — a depender dos humores de São Pedro. Aliás, não vou estranhar nada, nada, se o prefeito Celso Pitta culpar as intempéries do tempo e o santo para a catástrofe da noite de quarta-feira. Desde prefeitos biônicos, como Reynaldo de Barros, até a então petista Luiza Erundina quando ocupou a Prefeitura paulistana, eles não se acanharam em apontar a perversa natureza e a imprevisibilidade de São Pedro como responsáveis pelos transbordamentos do Tietê, Tamanduateí e de outros tantos córregos e rios durante suas gestões.

O problema das enchentes no Ipiranga é secular. Melhor do que eu e esses distintos senhores que ocupam cargos oficiais, o professor Osmar Stolagli, uma de nossas grandes lideranças e antigo morador da chamada Ilha do Sapo, sabe relacioná-las desde os idos de 30/40. Houve época, não tão remotas assim, em que as águas do Tamanduateí e do Riacho do Ipiranga chegavam ao teto das casas mais próximas aos seus leitos. Houve época, não! Ainda hoje é assim.

Na avenida do Estado, as águas bateram os três metros de altura no último temporal. E, como vimos, são imprevisíveis as conseqüências de uma
pancada de chuva forte na região ou mesmo na cabeceira dos rios que cortam o Ipiranga. O pessoal das imediações da Ricardo Jafet que o diga… Se projetarmos o problema das enchentes em âmbito nacional, como aconteceu semana passada em Minas, São Paulo e Rio, veremos que a situação, uma pela outra, se repete — e drasticamente. As cenas que a TV nos mostrou não traziam qualquer novidade — e revelavam uma triste premonição.

Certamente se repetiriam por aqui se caso chovesse em nossa região o tanto que lá andava chovendo. Por isso, não me comoveu, nem perpassou confiança, o rasante que o presidente Fernando Henrique Cardoso deu nas áreas mais duramente atingidas pelos temporais da primeira semana do ano. A verba de 5 milhões de reais, liberada por FHC e amplamente anunciada pela mídia, seria o tal socorro emergencial para esses locais que se transformaram numa imensa e avassaladora enxurrada, com o prejuízo para dezenas de milhares e a morte de mais de 50 brasileiros. Neste contexto, esse dinheiro pode remediar. Mas, não trará solução definitiva para nada. E, tanto no Ipiranga como nesse Brasilzão, ficaremos a espera das próximas chuvas e outras tantas tragédias. Até o santo dia em que nossos governantes transformem jogo de cena (e isso vale também para o falastrão Itamar Franco) em ação… O projeto de um País melhor vai além do oportunismo ou da esmola da assistência social…