Sou de ascendência italiana, capíche?
Dos dois lados da família, entendeu?
Por parte de mãe, os Chisolini se orgulhavam em dizer que vieram de Mantova e de Florença.
Já o vô Carlito, embora nascido em Cascatinha, no Rio de Janeiro, contava que os pais, os Avezzani, chegaram de Nápoles.
Por parte de pai, a coisa era mais simplória. Os Martinos e os Leones aqui aportaram no início do século 20, vindos da Calábria.
Era só o que diziam.
E só o que se sabe ainda hoje.
II.
O norte e o sul da Velha Bota têm lá suas diferenças. Digamos que os de cima se consideram mais ricos e cultos e belos enquanto os do sul são mais rústicos e turrões e belos.
Toda vez que o pai fazia das suas, não era raro a mãe justificar com o comentário nada lisonjeiro:
– Ah, calabrês, foi o diabo que te fez.
Como o pai aprontava muito e estava sempre em dívida com a mãe, ele, o Aldão, apenas sorria e deixava vida seguir naturalmente.
E assim a vida seguia. Ô saudade!
III.
Uma história que se ouvia na família (da mãe, lógico) ‘enaltecia’ a teimosia dos calabreses.
Era a seguinte:
Depois de andar pelo mundo, um homem, obviamente calabrês, quis voltar pra sua aldeia no sul da Itália. Andou, andou, até que encontrou o Senhor, disfarçado de eremita em uma clareira, que lhe disse:
– Bom homem, me diga aonde vai?
Ele respondeu:
– Ora, volto pra minha terra.
E o Senhor:
– Deveria dizer: ‘com a graça de Deus’.
– Volto pra minha terra, e pronto e basta – reiterou o calabrês.
O Senhor não perdoou:
– Então, por sua teimosia, será punido. Ficará preso por sete anos no charco da Solidão.
(…)
Naquele preciso momento, o caminhante virou um sapo e ficou a coaxar por sete anos no tal local determinado. A pular de lá pra cá e de cá pra lá.
Passado este período, desfez-se o encanto e o calabrês retomou sua caminhada.
Andou algumas léguas e outra vez o eremita/Senhor se interpôs aos seus passos, com a mesma indagação:
– Bom homem, me diga aonde vai?
– Ora, volto pra minha terra.
– Deveria dizer: ‘com a graça de Deus’.
Desta vez, o calabrês sequer chegou a responder. Entendeu com quem dialogava e , bem a seu modo, resmungando alguns impropérios, retomou o rumo do Charco…
IV.
Como disse, essa historieta, ouvia na casa dos avós maternos. Agora, em meus recentes volteios por Réggio Calábria, na ponta da Bota, fico sabendo que a fábula é originária do Norte da Itália e retrata o jeito de encarar a vida dos moradores de Biella, na região de Piemonte. Há também quem credite a façanha aos moradores de Trieste.
Sinceramente, não sei em quem acreditar.
Não importa, pois também por aqui vejo muita gente tinhosa que só.
Mas, isto é uma outra história que fica para uma próxima vez.
V.
Por enquanto, meus caros, fiquem com a bela canção “Il Volo”, de Zucchero, que é natural de Réggio Emília, no norte da Itália, e nada tem a ver com a fábula, mas é linda e diz:
“Sonho, alguma coisa de bom
que me ilumine o mundo
bom como você “
*(foto: arquivo pessoal/duomo de Réggio Calábria)
O que você acha?