Foto: Arquivo Pessoal
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Naquela horinha distraída em que os amigos marcam de se encontrar no boteco que foi ponto de encontro de jornalistas no tempo em que jornalismo era sinônimo de boemia e as redações andavam apinhadas de profissionais que se dividiam em canetinhas (os repórteres), lambe-lambes (fotógrafos) e motoras (os pilotos das viaturas que os levavam em dupla na busca pelo fato e a notícia)…
Naquela horinha em que todos ali, moças e rapazes, jovens e não-tão jovens profissionais da Imprensa atual – tomavam uma gelada e falavam em alto e bom som as platitudes do dia e da semana…
Naquela horinha, o garçom veteranaço que os servia com a agilidade de quem é do ramo sapecou essa:
“Tem algum jornalista provisionado por aí?”
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A rapaziada embatucou num silêncio profundo, entreolhou-se enigmática e…
Na falta de uma reposta conclusiva, ignorou a indagação e seguiu com as platitudes do dia e da semana, ditas em alto bom som.
Uma verdade inabalável ao tempo e ao vento:
Jornalista gosta de questionar; não, de ser questionado.
Jornalista provisionado? Que caramba é isso, professor?
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Me divirto ao abrir o e-mail hoje pela manhã.
Bato os olhos na mensagem da ex-aluna (da qual não tinha notícias há anos e anos), imagino a cena e dou uma boa gargalhada da inquietante dúvida.
Diz ela que, de volta para o apartamento onde mora, buscou no Google a informação:
“Um jornalista provisionado é um profissional que pode transformar o seu registro para jornalista profissional. Para isso, é necessário comprovar o registro como provisionado e o exercício da atividade jornalística.”
E ainda assim ficou na dúvida.
“Falta o contexto, né?”
Acrescenta:
“Todos ali eram jornalistas, dos mais variados portais, assessorias e agências de comunicação. Muitos, como eu, com pós-graduação – e, para ser sincera, ninguém sabia o que era um jornalista provisionado. É coisa antiga, né, professor?”
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Digamos que sim.
Do século passado, minha cara.
Tentarei lhe explicar.
Fim da década de 60. 1969, para ser exato. Entra em vigor a legislação que determina a obrigatoriedade do diploma universitário, graduação em Jornalismo, para exercício da profissão em todo o território brasileiro.
Era uma antiga demanda dos sindicatos da categoria.
Criou-se, então, o impasse.
E a legião de profissionais que até então militava na Imprensa e não possuía tal graduação, o que fazer?
Como lhe garantir os direitos de continuar trabalhando?
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Eis a solução apresentada:
Os tais e os quais deveriam de apresentar ao posto da Delegacia do Trabalho, apresentar documentação e prova de que estavam empregados em empresa jornalística no exercício do jornalismo antes da nova lei – e, a partir de então, receberiam o registro de “jornalista provisionado”, com reconhecimento para exercício profissional e plenos direitos.
Foi isso.
Assim, com o passar dos anos, as redações dos jornais e revistas (pois é, existiam redações de jornais e revistas) abrigou pacificamente (nem sempre) as duas ruidosas faunas: a dos jornalistas provisionados e a dos jornalistas com diploma universitário.
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Deu pra entender?
Cabe uma última observação:
A normatização caiu em 2009 após longas e derramadas polêmicas e por pressão dos donos dos conglomerados de comunicação que, desde o início, foram contra os rigores da tal medida. Alegavam, como hoje alegam os arautos da extrema-direita, que a mesma cerceava a liberdade de expressão e o livre arbítrio da opinião.
“O jornal é meu (ou o derivativo: ‘é do meu pai’). Aqui trabalha quem eu quero” – ouvi várias vezes.
Bela democracia!
Enfim…
Hoje em dia, com a explosão do vale-tudo da internet, dá pra dizer que foi uma causa perdida, uma batalha inglória.
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TRILHA SONORA
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O que você acha?