Foto: São Bernardo do Campo/Arquivo Pessoal
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Durante o período mais crasso da pandemia, habituei-me a passar as manhãs e os fins de tarde na sacada do apartamento onde moro, no 19° andar.
Enquanto, dentro de mim, lidava com todos os medos do mundo, tinha à minha frente o amplo cenário do ‘novo normal’.
As ruas vazias.
As silhuetas dos prédios na linha do horizonte.
Esticava o olhar para o lado da via Anchieta, onde um ou outro veículo a circulava alheio aos perigos e por força do ofício.
Tinha uma vaga – e estranha – emoção quando descobria a cortar os ares um avião partindo do aeroporto de Congonhas. Era mesmo um encantamento vê-lo se aproximar, tomar forma e sobrevoar o céu da cidade onde moro.
Era quase uma bênção, acreditem.
Um fio de esperança de que dias melhores, sim, dias melhores, não tardariam a chegar.
Dá para dizer que era daqueles que, no íntimo, acreditava que homens e mulheres aprenderiam a lição.
A Humanidade não poderia ser tão insensível.
Haveríamos de resgatar o senso de fraternidade e paz.
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Corto para os dias atuais.
Confesso não sou tão assíduo às reflexões na varanda, como naqueles tensos dias.
Mesmo assim, vez ou outra, eu e minha tolas reflexões marcamos presença por ali.
Hoje, por exemplo.
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Justificável
Especialmente nesses dias friorentos, os raios de sol das manhãs – quando os há – acolhem e aquecem.
Sei bem que, diante de mim, o cenário é outro.
Óbvio que os prédios ao redor continuam onde sempre estiveram.
Só as ruas e a via Anchieta têm trânsito intenso.
E o silêncio daqueles tristes dias dão lugar à ruidosa sinfonia das buzinas e dos motores.
Ok. Dá pra conviver legal.
É a vida que pulsa e pulsa.
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Ah, vale lembrar: o ir-e-vir da rota dos aviões aumentou consideravelmente.
Porém, ressalto que não me soam mais como bênção. Ou mesmo como esperança em dias melhores.
Talvez, naqueles idos, inspirassem em mim o incontido desejo de viajar, cair no mundo, buscar ares novos, conhecer novas gentes.
Vã ilusão.
Naqueles dias e agora.
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Saio da varanda, nesta manhã, abro o notebook – e me dou conta da manchete do dia:
ISRAEL MATA 123 PESSOAS DURANTE
INVASÃO À CIDADE DE GAZA.
Assim me dou conta de que nada, nada, aprendemos.
Também se faz inevitável o travo amargo amarga de que nossa omissão nos faz cúmplice de um genocídio histórico e irreparável.
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O que você acha?