Foto: Adoniran Barbosa que personificou o Charutinho no rádio dos anos 50/Divulgação
…
Meus caros e preclaros,
DEMOCRACIA SEMPRE!
…
Pois vejam o que me ocorreu.
Plena sexta-feira a sugerir o almejado, ensolarado e primaveril final de semana, e eu a rememorar o Charutinho, personagem criado por Osvaldo Moles para o humorístico “Histórias das Malocas”, a quem o admirável Adoniran Barbosa deu voz e vida no rádio brasileiro dos anos 50.
Era um sucesso único.
Seus bordões se faziam populares – e donos de verdades absolutas.
“Adepois qui nóis vai, adepois qui nóis vorta…”
Outro deles, se bem me lembro, era:
“A inguinoranssa é que astravanca o porgresso“.
…
Lembrei por lembrar…
Nostalgia dos tempos de moleque de rua no bairro operário do Cambuci.
Era possível – acreditem – o sonhar.
…
Explico a recordação.
Aconteceu, eu diria, por um caso do acaso.
Achei divertida a frase estampada na camiseta de um rapazote que passou por mim nesta manhã.
Estava escrito, ao lado de um emoji dos mais sorridentes:
“Muita calma nessa hora”.
…
Desconfio que seja o bordão de um tipo qualquer de uma novela antiga, não sei.
Pois então…
Não sei como o Charutinho entrou nessa história.
Ando assim-assim com as coisas que estão no mundo.
Ando cético demais em relação às expectativas dessa tal de Humanidade que, a meu ver, se põe a caminhar “com passos de formiga e sem qualquer vontade” de ser e se fazer mais solidária.
Talvez seja por esses e outros tantos insondáveis motivos que eu assimilei o recado da camiseta do garoto como um bom conselho, desses que a gente ganha de graça.
…
Como me pareceu “inútil dormir que a dor não passa”, também porque estava em plena praça pública, continuei minha caminhada a recapitular aqueles idos a partir das as aventuras do personagem do incrível Adoniran (1910/1982). Bom lembrar o rádio na cozinha de casa, a mãe atarefada com o almoço, a infância no Cambuci, minha turma de moleques da Muniz de Souza – Claudinho Zeola, o Betão, o Nestor, o italiano Giuseppe –, as nossas presepadas pelas ruas do bairro, as matinês no Cine Riviera, enfim…
Posso lhes assegurar:
Meu humor melhorou consideravelmente.
…
Ao me dispor narrar essa história no Blog e compartilhar com os amigos a inspiradora experiência (vai que andam de farol baixo, como eu estava – e não vale a pena!), só então me dei conta que também tenho uma t-shirt que, tal e qual um pequeno outdoor ambulante, traz a seguinte frase:
“Não penses, velho.
Segue o teu rumo e aceite o que vier”.
…
Muita hora nessa calma, explico a autoria.
Quem a escreveu foi o transcendental Ernest Hemingway (1899/1961) e foi pinçada do clássico romance “O Velho e o Mar” (escrito em Cuba, 1951).
Li o livro faz um tempão, gostei, achei algo angustiante – e não me achava, à época, o velho da história. Imaginem agora?
…
A propósito, esclareço sobre a minha camiseta: eu a comprei, pela internet, assim que me deparei com o irresistível anúncio sobre “lindas camisetas literárias”.
Por que não comprar? Por que comprar? Comprei
Foi um impulso bobo para a aproveitar a “imperdível oferta”.
Devia estar a ruminar a mesma baixa autoestima de hoje – e, pior, não me salvou nenhum recado otimista a circular pelo corpanzil alheio e sequer me lembrei dos divertidos bordões do parlapatão Charutinho, aquele bom malandro que morava no Morro do Piolho e se dizia “cansado de chorar”, pois sua Gerarda fugiu de casa “com um soldado de bombarda”.
…
TRILHA SONORA
Lançada em 1959, a marchinha ‘Aqui Gerarda’, de Adoiran Barbosa/Charutinho chegou a ser censurada por “atentar aos bons costumes”.
…
O que você acha?