Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
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Uma pensata assim à toa.
Os antigos – e quiça verdadeiros – cronistas usavam o transporte público para aferir os humores da opinião pública. Eles próprios usuários do bonde, do ônibus ou do lotação alinhavavam seus textos quase sempre a partir da sintonia com o pensamento que recolhiam do que chamavam de ‘povão’.
Vejam lá nos escritos do grande Rubem Braga, do Lourenço Diaféria, do João Antônio e irão encontrar boas passagens do Brasil de distintas épocas em que o cronista, além de ilustre e anônimo passageiro, é também um bom observador e atento ouvinte.
Dos personagens e das conversas ao redor, muitas vezes, surgiam deliciosos enredos.
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Dou-lhes, amigos leitores, um por exemplo.
Há uma crônica inesquecivel – Lembranças de um braço direito – em que o admirável Rubem Braga (1913/1990) narra, com delicadeza única, as destemperanças de um voo entre o Rio de Janeiro e São Paulo.
Clique AQUI para ler.
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Sigamos, pois, com a pauta do dia.
Dias atrás, numa ida a São Paulo, precisei utilizar o metrô para um curto deslocamento de duas ou três estações. Foi nesses minutos vadios que me veio a lembrança – e a dura constatação.
Se o notável cronista precisasse deste recurso hoje para cavar algum assunto, estaria no osso do caroço, como dizia o divertido Valtinho Cazuza nos meus tempos de garoto no Cambuci.
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Dou-lhes a prova a partir do que vejo no vagão em que me encontro.
O carro não está lotado de todo. O entre-e-sai a cada parada nas estações é constante. Mas, reina o silêncio entre os passageiros. Ninguém conversa com ninguém, nem os que entram juntos e se conhecem. Aliás, são os primeiros a pegar o celular e tentar uma conexão com a própria rede social. Há os que se embalam ao som da trilha sonora favorita a bordo de seus vistosos fones de ouvidos. E, creiam, um impávido senhor, de mochila e ares de descolado, com um exemplar de, pasmem!, um livro impresso a ler entretido a página aberta a um palmo do seu nariz.
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Os amigos leitores sabem que sou dado a imaginar coisas.
Em meio a tantas notícias ruins, a tantos descalabros no âmbito político e social, imaginei colher, nas minhas andanças, uma história, diria, mais singela para entreter os amáveis leitores.
Perdi a pose e o foco quando me dei conta de que talvez o silêncio pesado que paira entre as pessoas no vagão seja a marca do nosso tempo, cada vez mais individualista, à mercê de ridículos tiranos.
Seria o retrato da nossa indiferença? Da nossa desesperança?
Ou todos nos habituamos a andar solitariamente no automático.
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TRILHA SONORA
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(*) A partir de texto original “No osso do caroço…”, publicado em 25 de agosto de 2016.
O que você acha?