Ah, essa incrível capacidade de abstração que o brasileiro cultiva mesmo na mais adversa situação!
Encontraram-se ao acaso. Na sala de observação de um superlotado Pronto Socorro, desses que a vida se nos apresenta em dia e hora incertos.
Noemi, trinta e poucos anos, algo sonhadora, e febril.
Diniz, já entrado nos “entas”, escrivão da vara de Família, e algo sonolento, pois a pressão baixara de repente.
Ela estava no soro. Sentava-se numa poltrona apropriada para tal finalidade.
— Não temos leitos disponíveis, avisou a atarantada enfermeira.
Ele acomodou-se ao lado, em outro móvel, com o apontador de batimento cardíaco no indicador da mão direita. Bip, bip, bip…
Noemi, sonhadora que só, devaneava. Imaginou-se logo em uma praia. Recostada na cadeira, pensou que só lhe faltavam mesmo o sol e o ruído do mar. Até porque o movimento do PS naquela altura era idêntico ao das mais badaladas áreas do litoral paulistano. Enorme, intenso.
De resto, o olhar atrevido que senhor ao lado lhe lançou praticamente a desnudou.
— Diniz, ao seu dispor.
Aquiesceu discretamente o cumprimento, ajeitando o soutien sob a blusa, como fazem as mulheres quando estão na praia – e querem demonstrar um recato que, por vezes, o sumário biquini não permite.
“Charmozão”, pensou Noemi, orgulhosa por chamar atenção de um bonitão, mesmo naquelas condições.
Sem se dar conta, aproveitou a deixa da prolongada ausência das enfermeiras para puxar assunto.
— Tão cedo não sairemos daqui.
Ao que Diniz respondeu cheio das intenções:
— Eu não vou reclamar se ficasse o resto da minha vida ao lado de uma mulher tão linda.
Noemi achou a cantada exagerada, fora de propósito.
Mas, adorou…
* Amanhã continua…