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Tinha nove anos quando Brasília foi inaugurada.
21 de abril de 1960.
“Ficava pra lá do fim do mundo”, dizia meu pai.
“Onde o Judas perdeu as botas”, arrematava o tio Nandinho.
Mas, os dois concordavam: seria bom para o futuro do Brasil a capital federal mudar-se para o centro do País.
O Rio de Janeiro era “um antro”.
Na concepção daqueles homens simples, a Nova Cap combinava melhor com os novos tempos.
Afinal, entendiam, o Brasil era “o País do futuro”.
Talvez este era um dos poucos assuntos em que os dois concordavam.
O pai era “adhemarista”; o tio, “janista”.
Viviam às turras enquanto davam acabamento nos manequins de gesso que o tio fabricava nos fundos da casa assobradada em que morava, na rua Robertson.
O pai ia para lá à noite, ajudá-lo em tempos de muitas encomendas.
Assim garantia a lauta ceia de Natal com que sempre brindou a família.
E os presentes de primeira linha que o Papai Noel trazia a mim e às minhas irmãs.
Gostava de vê-los, esbranquiçados, cobertos pelo fino pó de gesso que saía dos bonecos, lixados à exaustão.
Eu, os primos e a fileira de bonecos prontos (que seriam entregues às lojas no dia seguinte) formávamos uma platéia cativa desses debates que sempre terminavam com uma única certeza: estávamos construindo o futuro do País do futuro.
É dessa capacidade de sonhar e de acreditar que hoje sinto tanta falta.
Fé e sonho que construíram Brasília.
E lá se vão 50 anos... |