Preciso lhes reiterar aqui meu total desconforto ao assistir os recentes capítulos da série Os Dias Eram Assim (*). As cenas retratam o período da redemocratização do Brasil, e atualmente se fixam nas manifestações pelas Diretas Já que eclodiram em fins de 83 e se espalharam ruidosamente pelos quatro cantos do País.
Eu andava pela casa dos 30 anos à época. Já rolava pedra nas redações – ora como repórter, ora como editor.
Estive no célebre comício pelas Diretas em frente à Catedral, na Praça Sé. Foi um inesquecível 25 de janeiro, aquele do santo ano de 1984.
Foi uma comemoração, na velha redação de piso assoalhado e grandes janelões para a rua Bom Pastor, ver a edição do jornal nas ruas, nas mãos da rapaziada, com a manchete escancarada DIRETAS JÁ.
Lá no canto da página, minhas breves linhas terminavam assim:
“A voz de todos os brasileiros fala mais alto, como se ouviu quarta-feira na Praça da Sé. Não há outra saída para o impasse. Diretas para presidente. E pra já! ”
As demais mobilizações, acompanhei de dentro da redação, olhos atentos ao material que nos chegava da rua, colhido pelas repórteres Leila Kyiomura e Regina Maria Curuci e pelo repórter-fotográfico Cláudio Michele, o abusado Clamic.
Estávamos entusiasmados com a possibilidade de mudar a cara do Brasil. Recuperarmos nossa cidadania, o direito de nos expressar livremente, a crença de que construirmos uma nação socialmente justa e solidária.
Havia o sonho.
A trilha sonora da época e seus magnos autores - Caetano, Gil, Chico, Milton, Ivan Lins, Gonzaguinha, Belchior e tantos outros - embalavam o sonho que juntos sonhávamos.
Muito, muito triste, desconfortável mesmo, confrontar aqueles dias que as cenas da TV recriam, o compromisso daquela geração e a luta por um futuro promissor, com o triste noticiário político e social dos dias de hoje.
Pior do que o retrocesso de termos um presidente Ilegítimo, cravado por delações comprometedoras, e que dá guarida a um ministério sob grossas suspeitas... Pior do que um Congresso irresponsável e absolutamente subserviente à agenda de grupos econômicos que massacra os direitos dos trabalhadores... Pior do que tudo isso, é a nossa desilusão, é a nossa falta de sonhos que põe em xeque os nossos próximos passos.
É bem verdade que a trama da série é movida a grandes paixões – é no capítulo de hoje que haverá o tão aguardado encontro entre Alice e Renato -. Mas, a maior delas, creio eu, era – e ainda deveria ser – mudar a cara do Brasil.
Hoje, infelizmente, lamento dizer, andamos tão vazios de sonhos, ocos de esperança... Por isso, o tal desconforto.
* Leia também Os dias Continuam Assim. No blog, 11/05/2017 |