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Jogada de mestre

Causou certo estranhamento quando se soube, naquela velha redação de piso assoalhado e janelões para rua Bom Pastor, que o grande Nasci havia marcado sua folga semanal justamente para a tarde da segunda-feira, 5 de julho de 1982.

— Justamente no dia do jogo Brasil e Itália, Nasci? Vai perder essa, cara?

— Estou deixando “a boa” pra vocês que são jovens e inconsequentes.

O Nasci era considerado o mestre de todos nós. Era um tanto mais velho, já havia trabalhado em diversas frentes do jornalismo e da publicidade e agora assinava uma coluna, com o codinome de Zé Armando.

Era uma referência. Sempre que tínhamos uma dividida íamos até o Nasci para beber daquela fonte de ensinamentos. Ele também sabia como nos aborrecer. Dizer que éramos “jovens e inconsequentes” fazia parte do repertório de pechas que o Nasci e outro veterano da redação, o saudoso Tonico Marques, inventou para definir nossos arroubos políticos, futebolísticos, ideológicos e etílicos e existenciais.

Havia outra definição que nos enfurecia: quando nos chamavam de “burguesinhos alienados”.

De algum modo, reconheço hoje, eles tinham lá suas razões.

— Vocês mimam muito essa seleção.

E mais não disse e também não perguntamos para evitar maiores polêmicas.

Alguém chegou a questionar a atitude do Nasci.

“Aí tem…”, alguém lembrou.

Afinal não foi à toa que o próprio Nasci se intitulara jornalisticamente de Zé Armando por sempre estar sempre aprontando algo que só depois entenderíamos as razões e os porquês.

No dia e hora aprazados para o jogo da memorável Copa de 82, lá se foi o Nasci com uma brevíssima saudação:

— Amanhã nos vemos.

II.

Soubemos depois que ele preferiu refugiar-se sozinho em um apartamento nas imediações da avenida Paulista. Não ligou nem o rádio, nem a TV. Abasteceu a geladeira com as cervejas de praxe – e rebateu a “loura gelada” com duas ou três cachacinhas mineiras.

Tentou ler algumas páginas de alguma obra do gaúcho Mário Quintana.

Deixou que o tempo passasse sem maiores aflições.

Vez ou outra, saía à varanda e espiava as ruas vazias.

Um ou outro veículo, tão solitário quanto ele, a cortar o coração de Sampa.

III.

No day after à Tragédia de Sarriá, o Nasci voltou à redação e nos explicou todo o ritual que preparou para escapar à sanha da derrota brasileira para Itália, de Paolo Rossi (3 x 2).

Ainda estávamos de cabeça inchada, mas entendemos perfeitamente a estratégia do amigo.

Consideramos inclusive que foi a melhor solução.

Há coisa de ano, ano e tanto, o Nasci se submetera a uma operação de ponte de safena – tacou quatro de uma vez – e poupar o coração de tamanhas exasperações, concordamos, foi mesmo uma santa decisão.

Mais uma vez, o Velho estava cheio de razão.

Por isso, fomos em grupo nos desculpar pelas críticas, dúvidas e maledicências que se nos escaparam naqueles dias.

— Deixem disso, rapazes. Sei que vocês não fizeram por mal. Aliás, sou eu que devo desculpas.

Olhamos desconfiados, vinha tetra por aí.

O Nasci tinha lá seus truques e traquejos.

Diante do nosso silêncio, ele continuou:

— Pois é…. Não achei justo compartilhar a tristeza de vocês, com a minha jogada de mestre. Sinto lhes informar, meus caros burguesinhos alienados; mas, não tem pra ninguém.. Apostei todas as minhas fichas na Itália. Ganhei o bolão da Copa sozinho.

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