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A Cor da Vida (14 e 15)

Foto: Jô Rabelo

14 – CHORAR OU NÃO CHORAR

Naquele dia, lembro bem, eu estava quieto quando o Enzo voltou da sua bateção de pernas.

Queria mesmo era ficar longe de todos.

Ele sentou bem perto de mim. Na areia mesmo. Naquele tempo, podia. Hoje, minha mãe diz que é melhor evitar:

– Sabe-se lá, Mingo?

Como dizia, eu estava juntando areia, sem forma e sem nada.

Não estava construindo um castelo, era só para passar o tempo mesmo.

Ele também ficou em silêncio, cabisbaixo como eu. Pegou um palito de sorvete (naquele tempo, podia; hoje, melhor evitar, já sei!) e se pôs a riscar uma frase na areia:

F e l i c i d a d e , t e u  n o m e  é …

Achei que ele escreveria um nome para completar a frase. Seria algum time de futebol? Ou seria a marca de uma roupa nova. Ou o nome daquela paulistinha bonita?

Ele ficou olhando o mar, a linha do horizonte, olhando, olhando…

Depois apagou tudo com o pé. Passou a mão na minha cabeça e disse:

– É bom ser criança e chorar a hora que bem quiser, a hora que bem entender. Se quiser chorar de novo, chore à vontade.

*

Não sei, desconfiei que o Enzo estava triste, triste.

Será que ele já sabia mais coisa do que nós sobre a pandemia que logo viria?

Acho que não.

Ou sim?

Dizem que os artistas têm uma antena que capta tudo o que ainda vai acontecer.

Têm o dom de preparar as pessoas ao que está por vir.

Não lembro quem falou isso.

Escritor é artista, né?

Vai ver que é isso.

Ou foi a lembrança da mulher paulista mesmo?

Olhos de ressaca, ele disse.

A vida é mesmo um espantar-se!

 

15 – O TAMANHO DA TRISTEZA

 

Acho que foi naquele dia mesmo ou no outro ou ainda no outro que desabafei para o Enzo e para mim mesmo.

O que que há?

Chorar eu choro mesmo e forte quando reencontro o meu pai. Quando ele vem para o Brasil ou eu vou para a Argentina. A gente fica uns 20, 30 dias juntos. Pouco mais, pouco menos que não sou bom de conta. Depois na hora da separação é pior ainda. Aí, sim, entendo o tamanho da tristeza e choro. Choro mesmo. Mas, é diferente. Choro quieto, doído, no meu canto.

Quer dizer, na hora choro mesmo.

Depois, fico com esse chororô preso dentro de mim por vários dias. Três, quatro, sei lá.

Acho que o Enzo entendeu o que eu quis dizer.

Entendeu o tamanho da minha tristeza.

Nada disse. Mas senti que me entendeu.

Tá ruim, mas tá bom – assim que ele diz.

E sorri quando completo:

Melhor isso do que nada!

Continua amanhã…

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