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A lenda

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Foto: Jô Rabelo/Arquivo

Vamos que vamos.

Segue mais um registro de mais uma história da velha redação de piso assoalhado e grandes janelões para a rua Bom Pastor.

Inclua-se mais este no embalo das recordações dos meus 50 anos de jornalismo.

Os inesquecíveis Marcão e Zé Jofre são os protagonistas.

Nós, os jovens e algo inconsequentes repórteres, os coadjuvantes que torciam para que, ao fim do expediente, os veteranos homens de Imprensa se pusessem a conversar sobre os tempos em que ambos eram militantes do Partidão, trabalhavam no jornal Notícias de Hoje e batalhavam firmemente contra a ditadura de Vargas e por um Brasil efetivamente de todos os brasileiros.

Eram lembranças e feitos incríveis.

Algumas inverossímeis que, bom que se diga, custávamos acreditar.

Mas, adorávamos ouvir.

Talvez a mais pitorescas dessas lembranças seja a que o Marcão contava em tom jocoso. Enquanto o radical Zé Jofre (“Patrão bom nasce morto”) tinha ares de desaprovação.

Aí tem coisa, desconfiávamos.

A história é a seguinte.

Dizia o Marques:

Na então União Soviética dos idos de 30 e 40, havia a lenda que o sol não nasceria na manhã seguinte em que o guia dos guias, Joseph Stalin, batesse com as sete e fosse dessa para a melhor.

Stalin morreu em 5 de março de 1953.

Como se sabe, o sol pouco se deu com o passamento do líder dos povos.

Nasceu esplendoroso na manhã seguinte, e pelo menos até hoje (posso comprovar da minha janela), o Astro-Rei teima em nascer enquanto o mundo seguiu (e segue) sua sina de flores e estrelas, guerras e misérias.

Éramos jovens e inconsequentes, como disse acima.

Invariavelmente mais nos divertíamos do que acreditávamos naquela narrativa.

Só não entendíamos o ar de censura do amigo Zé Jofre.

Marcão desconversava.

Pedia a opinião do amigo sobre o tema.

– Por aqui, tinha que camarada que acreditava nessa arenga, não é não, Zé?

Jofre não respondia. Balançava a cabeça em tom de contrariedade.

Então naquela noite que se perdeu no tempo, a turma foi para o Bar do Arlindo completar etilica e alegremente a rotina do dia.

Zé Jofre preferiu se recolher – e lá pelas tantas, quando rubores da beberagem se faziam mais intensos, Marcão esclareceu o desassossego do amigo diante do ocorrido.

Explicou:

– O Jofre é tão cético, mas tão cético quanto ao destino da Humanidade, que, mesmo sem acreditar piamente na lengalenga, torceu para que se desse o armagedon. Tanto que, quando soube da morte de Stalin, não vacilou: acabou com estoque de vinho Gatãozinho que tinha no porão onde morava na Vila das Mercês e, quando acordou, viu desiludido que o mundo, o mundo, meus caros, não acabou.

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