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As aparências enganam

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Foto: Arquivo Pessoal

Não soube exatamente o que dizer quando alguém me chamou de ‘roqueiro’.

(Devia ter uns 16 ou 17 anos, usava cabelos longos e roupas no estilo.)

Respondi com outra pergunta:

“Pareço um?”

(A bem da verdade, era tudo o que eu gostaria de ser.)

Não soube o que responder quando um outro me chamou de ‘bancário’.

(Tinha uns 18 anos, fora dispensado do exército por ‘excesso de contigente’ e passei no concurso para escriturário do Banco da Lavoura de Minas Gerais, agência modelo da Avenida São Luis).

Respondi com outra pergunta:

“Pareço um?”

(Durou mês e meio o equívoco. Não tinha o perfíl, me disse o gerente à entrada do expediente enquanto eu desajeitado ainda ajeitava o nó da gravata. Dias antes eu o apelidara de ‘Alegria’ de tanto que o homem reclamava da vida e do expediente bancário. Desconfio que ficou sabendo e não gostou. Mas, reluto aceitar que tenha sido essa a causa da dispensa.)

Não soube o que responder quando um conhecido do meu pai me chamou de ‘hiponga’.

(Tinha 19 anos, andava ainda mais cabeludo, cultivava fio a fio uma barba rala, usava uma bata descolorida e fazia cursinho para Comunicação. Diziam que eu era fora do padrão.)

Respondi com outra pergunta:

“Pareço um?”

Paz e amor, bicho!

Não soube o que responder quando me chamaram de ‘padre’.

(Era manhã de um dia comum. Não lembro a idade que tinha. Passei na igreja São José para conversar com o Padre Brito. Na saída, parei no portão de entrada à espera do carro do jornal para mais um dia de trabalho. Apareceu uma mulher atarantada (nunca soube com o quê). Veio em minha direção, pediu a bênção e disse: – Padre, me ajuda.)

Respondi com outra pergunta:

“Pareço um?”

Dominus vobiscum.

Não soube o que responder quando a jovem senhora me chamou de ‘marceneiro’.

(Era uma moradora recém-chegada ao prédio, onde moro. Devia estar ansiosa por ver tudo em ordem na nova moradia. Falou de uns armários para montar ou coisa que o valha. Bem que me avisaram para não usar a tal loção de perfume ‘amadeirado’. Cheirava à serragem.)

Respondi com outra pergunta:

“Pareço um?”

(Ainda lembro o constrangimento estampado no rosto da moça.)

As aparências enganam, amadas e amados amigos.

Era inevitável.

Mais dia, menos dia, minha verdadeira identidade seria revelada.

Conto como foi.

Durante a cerimônia de entrega de ‘melhores do ano’ para os estudantes do curso de jornalismo, o apresentador-trapalhão fez o anúncio:

“Quem vai fazer a entrega dos prêmios aos alunos que se destacaram neste ano é o coordenador do curso Professor ROBERTO CARLOS Martino.”

Roberto Carlos?!

Sem alternativa, segui em direção palco sob o ruidoso riso da plateia, formada por estudantes, pais, amigos, convidados e meus pares, professores.

O teatro estava lotadaço.

Roberto Carlos, pode isso?

Não perdi a pose diante de todos.

Iniciei minha fala da seguinte forma:

“São tantas as emoções, bicho.”

E ameacei cantar os primeiros versos de ‘Amada Amante’ se não parassem de rir.

Diante de tamanha calamidade, fez-se o silêncio.

Pude, então, dar início à premiação.

Ao fim do evento, encontro o amigo Poeta no estacionamento.

Debochado, ele não teve dúvida em me dizer:

“Rudi, você é uma farsa.”

Fiz sinal de positivo.

Como contrariar um amigo que me conhece tão bem…

Ainda nenhum comentário.

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