Foto: Reprodução da capa de um dos discos do cantor
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“Morreu aos 99 anos o cantor Carlos Gonzaga, um dos pioneiros do rock brasileiro. A morte foi anunciada nesta sexta-feira (25), na página do músico no Facebook, sem informações de sua causa. Ele estava hospitalizado em Velletri, na Itália.”
Leio a notícia no fim da tarde de sábado.
Inevitável a viagem que me permito fazer ao túnel do tempo.
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Fim dos anos 50.
Era garoto. Ainda me chamavam de Tchinim, corruptela de “piccininino” que quer dizer “pequeno” em italiano.
O rádio era a grande atração dos dias e das noites na casa assobradada que, acreditem, resiste ao tempo na rua Muniz de Souza 420 no Cambuci.
(Quem será que hoje abrigam as paredes da minha infância?)
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Breve esse pleno domínio seria abalado pela chegada do mastodôntico aparelho de TV, Invictus, de 21 polegadas
Mesmo assim era possível – creiam! – embalar-se nas ondas sonoras desde as primeiras horas da manhã.
A mãe adorava uma radionovela. Das mais chorosas e sofridas que se pode imaginar.
O pai era habituê do futebol e das corridas de cavalo. “Dá-lhe Gualicho”.
Minhas duas irmãs e o ‘caçula’ aqui preferiam ouvir os grandes sucessos musicais.
Quer dizer, eu ia no embalo delas.
Quer dizer:
Ouvíamos o que o rádio tocava: Wilson Miranda, Dolores Duran, Cauby Peixoto, Ângela Maria, Nora Ney, Nélson Gonçalves, Paulo Molen, Demônio da Garoa, Tony e Cely Campelllo, Francisco Egydio, Carlos José, Lana Bittencourt, Agostinho dos Santos e… Carlos Gonzaga.
“Oh, Carol
Quero o seu amor”
(Oh, Carol. Outra baladinha faceira de Neil Sedaka que Gonzaga consagrou com versos em português.)
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Curioso.
Vejo hoje chamarem Carlos Gonzaga de precursor do rock no Brasil.
Mas, não era assim que o víamos – e desconfio nem ele se entendia assim.
Era apenas – e magnificamente – um cantor popular.
A voz que nos trazia a sacudida “Diana”, entre outras tantas adaptações, de versos tão simplórios quanto cativantes.
“Não se esqueça, meu amor
Quem quem mais te amou
Fui eu“
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Acreditem, não existia o rock como um movimento transgressor, identificado com os jovens rebeldes sem causa ou coisa que o valha.
Era apenas uma música que o rádio tocava e preenchia de bons sentimentos a nossa pacata e feliz existência.
Não havia a declarada segmentação de gêneros que hoje existe.
Não havia distinção tola entre música classuda e música do povão.
Bolero, chá-chá-chá, samba-canção, balada, rock…
Tudo era música. Ouvíamos, cantávamos e nos deliciávamos.
Parecia bem mais simples ser feliz.
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Enfim…
A perda de Gonzaga esmaece um tanto mais a memória daquela vila de trabalhadores chamada São Paulo.
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O que você acha?